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Busqueda... Diretório Evangelho segundo S. Mateus 5,1-12.


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Evangelho segundo S. Mateus 5,1-12. Evangelho segundo S. Mateus 5,1-12. – cf.par. Lc 6,20-49 Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte. Depois de se ter sentado, os discípulos aproximaram-se dele. Então tomou a palavra e começou a ensiná-los, dizendo: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os que choram, porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu; pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.» Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Sobre o bem da morte « Vi uma multidão imensa..., de todas as nações, raças, povos e línguas..., de pé, diante do trono e diante do Cordeiro» (Ap. 7,9) Fortalecidos com os ensinamentos [da Escritura], caminhemos sem tremer para o nosso redemptor, Jesus, para a assembleia dos patriarcas, partamos para o nosso pai, Abraão, assim que o dia chegar. Caminhemos para essa congregação dos santos, essa assembleia de justos. Iremos para os nossos pais, aqueles que nos ensinaram a fé; mesmo se as obras nos faltam, que a fé nos ajude, defendamos a nossa herança! Iremos aos lugares onde Abraão abre o seu seio aos pobres como Lázaro (Lc 16,19s); aí repousam aqueles que suportaram o rude peso da vida deste mundo. Agora, Pai, estende mais e mais as tuas mãos para acolheres estes pobres, abre os teus braços, alarga o teu seio para os acolheres melhor, pois são muitos os que acreditaram em Deus. Iremos ao paraíso de felicidade onde Adão, outrora caído numa emboscada de salteadores, já não pensa em curar as suas feridas, onde o próprio malfeitor goza da sua parte do Reino celeste (cf Lc 10, 30; 23,43). Lá onde nenhuma nuvem, nenhuma trovoada, nenhum raio, nenhuma tempestade de vento, nem trevas, nem crespúsculo, nem verão, nem inverno, marcarão a instabilidade dos tempos. Nem frio, nem granizo, nem chuva. O nosso pobre pequeno sol, a lua, as estrelas, já não servirão para nada; só o luz de Deus resplandecerá, porque Deus será a luz de todos, essa luz verdadeira que ilumina todo o homem resplandecerá para todos (Ap 21, 5; Jo 1, 9). Nós iremos aonde o Senhor Jesus preparou moradas para todos os seus servos, para que, aí onde Ele está, nós estejamos também (Jo 14, 2-3). «Pai, aqueles que me deste, quero que, lá onde eu estiver, estejam comigo, e que contemplem a minha glória» (Jo 17, 24)... Nós seguimos-te, Senhor Jesus; mas, para isso, chama-nos, pois sem ti ninguém ascende. Tu és o caminho, a verdade, a vida (Jo 14,6), a possibilidade, a fé, a recompensa. Recebe-nos, fortalece-nos, dá-nos a vida! Beato Guerric d’Igny (c.1080-1157), abade cisterciense Sermão para o dia de Todos os Santos «Felizes os puros de coração, pois verão a Deus» «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu». O início do Novo Testamento é de facto alegre e cheio de graça nova; provoca mesmo um pouco o não crente ou o preguiçoso a que o escute, e também a que aja, ao prometer a felicidade aos infelizes e o Reino do Céu aos exilados, aos que estão no infortúnio. O princípio da nova Lei é agradável de ouvir e começa sob felizes auspícios, pois, desde o início, o legislador tem muitas palavras de beatitude. Os que forem atraídos por estas palavras caminharão então de virtude em virtude, subirão os oito degraus que o Evangelho construiu e erigiu no nosso coração. […] Trata-se, é claro, da elevação do coração e da progressão dos méritos ao longo de oito degraus de virtude, os quais gradualmente conduzem o homem do mais baixo aos mais altos níveis de perfeição evangélica. Até que aí enfim entrará, e vislumbrará o Deus dos deuses em Sião (Sl 83,8), no seu Templo, acerca do qual disse o profeta: «Aí se chega por uma escada de oito degraus» (Ez 40, 37). A primeira virtude dos principiantes é a renúncia ao mundo, pela qual nos tornamos pobres em espírito; a segunda é a mansidão, pela qual nos submetemos à obediência, a esta nos habituando; depois vem a dor, pela qual lamentamos os pecados cometidos ou, em choros, pedimos as virtudes. Provamo-las, claro, naquilo em que mais temos fome e sede de justiça, tanto para nós como para os outros, e começamos a sentir um ânimo de verdadeiro zelo contra os pecadores. Ao zelo segue-se a misericórdia, que o tempera, para que imoderados ardores não se transformem em faltas. Aplicando-nos e exercitando-nos, havemos de aprender a ser justos e misericordiosos, após o que estaremos capazes da contemplação e de nos dedicar a purificar continuamente o nosso coração, a fim de vermos a Deus. Isaac de l'Étoile (? - c. 1171), monge cisterciense Sermão 1, de Todos os Santos «Felizes os pobres em espírito» Todos os homens, sem excepção, desejam a felicidade, a bem-aventurança. Mas têm sobre ela ideias diferentes: para um, a felicidade está na voluptuosidade dos sentidos e na doçura de vida; para outro, está na virtude; para outro ainda, está no conhecimento da verdade. É por isso que Aquele que ensina todos os homens [...] começa por recuperar os que se afastaram, orientando os que se encontram no caminho certo, e abrindo a porta aos que batem. [...] Assim, pois, Aquele que é «o Caminho, a Verdade e a Vida» (Jo 14, 6) recupera, orienta e abre a porta, e começa a fazê-lo dizendo: «Felizes os pobres em espírito». A falsa sabedoria deste mundo, que na realidade é loucura (1Cor 3, 19), pronuncia-se sem compreender o que diz; considera bem-aventurados «os filhos do estrangeiro, cuja boca só diz mentiras, e cuja direita jura falso», porque os celeiros deles «estão fornecidos com todas as espécies, os seus rebanhos multiplicam-se aos milhares, em dezenas de milhares os seus campos» (Sl 143, 11-13). Mas todas estas riquezas são incertas, a paz deles não é a paz (Jer 6, 14), a alegria deles é estúpida. Pelo contrário, a Sabedoria de Deus, o Filho por natureza, a mão direita do Pai, a boca que fala verdade, proclama felizes os pobres, que estão destinados a ser reis do Reino eterno. Ele parece dizer: «Procurais a bemaventurança, mas ela não se encontra onde a procurais; correis, mas correis fora do caminho. Eis o caminho que conduz à felicidade: a pobreza voluntária por Minha causa, é esse o caminho. O Reino dos céus em Mim, eis a bem-aventurança. Correis muito, mas mal; quanto mais depressa avançais, mais vos afastais da meta.» Não temamos, irmãos. Somos pobres, ouçamos a palavra do Pobre, que recomenda a pobreza aos pobres. Podemos acreditar na Sua experiência. Tendo nascido pobre, viveu pobre e pobre morreu. Nunca quis enriquecer; antes aceitou morrer. Acreditemos, pois, na Verdade que nos indica o caminho que conduz à vida. Trata-se de um caminho árduo, mas curto; e a felicidade é eterna. O caminho é estreito, mas conduz à vida (Mt 7, 14). As bem-aventuranças – Mt 5,3-10 1. Bem-aventurados sao os pobres de espírito / porque deles é o Reino dos céus. Bem-aventurados sois quando fordes perseguidos / por minha causa e por meu amor! 2. Bem-aventurados são aqueles que choram / porque eles serão consolados. 3. Bem-aventurados os que esperam justiça / porque eles serão saciados. 4. Bem-aventurados os misericordiosos / haverão de alcançar misericórdia. 5. Bem-aventurados são os puros de espírito / porque eles verão o Senhor. 6. Bem-aventurados os que trazem a paz / sao chamados os filhos de Deus. 7. Bem-aventurados os que pregam justiça / porque deles é o Reino dos céus. Cantemos ….. n° 761 S. Gregório o Grande (cerca 540-604), papa, doutor da Igreja Homilia 14 sobre o Evangelho “O Reino dos céus está em nós” Jesus disse no Evangelho: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu conheço-as, elas seguem-me e eu dou-lhes a vida eterna” (Jo 10,27). Um pouco acima, ele tinha dito: “Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (v. 9). Porque entrase pela fé, mas sai-se da fé pela visão face a face; passando da crença à contemplação, encontraremos pastagens para um repouso eterno. São pois as ovelhas do Senhor quem tem acesso às pastagens, porque aquele que sai na simplicidade de coração recebe em alimento uma erva sempre verde. O que são estas pastagens das ovelhas senão as alegrias profundas de um paraíso sempre verdejante? A pastagem dos eleitos é o rosto de Deus presente, contemplado numa visão sem sombra; a alma se sacia sem fim deste alimento de vida. Nestas pastagens os que escaparam à rede dos desejos deste mundo são cumulados eternamente. Lá, canta o coro dos anjos, lá são reunidos os habitantes dos céus. Lá, é uma festa bem doce para os que regressam depois dos seus trabalhos numa triste estadia no estrangeiro. Lá se encontram o coro dos profetas de olhos penetrantes, os doze apóstolos juízes, a armada vitoriosa dos inumeráveis mártires tanto mais felizes quanto foram aqui em baixo rudemente afligidos. Nesse lugar, a constança dos confessores da fé é consolada recebendo a sua recompensa. Lá se encontram os homens fieis a quem os prazeres deste mundo não pôde amolecer a força de alma, as santas mulheres que venceram toda a fragilidade ao mesmo tempo que a este mundo; lá estão as crianças que pela sua maneira de viver se elevaram acima dos seus anos, os anciãos que a idade não pôde enfraquecer aqui em baixo e que a força para trabalhar não os abandonou. Irmãos bem amados, púnhamo-nos em busca dessas pastagens onde seremos felizes em companhia de tantos santos. São Gregório de Nissa (c. 335-395), monge e bispo Homilias sobre as Bem-aventuranças, 1 “Felizes os pobres” Como quase todos os homens são naturalmente conduzidos ao orgulho, o Senhor começa as Bem-aventuranças por afastar o mal original da auto-suficiência, aconselhando-nos a imitar o verdadeiro Pobre voluntário que é verdadeiramente feliz – de maneira a parecermo-nos com Ele por via de uma pobreza voluntária, segundo as nossas capacidades, para participarmos na Sua bem-aventurança, na Sua felicidade. “Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus: Ele, que era de condição divina, não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo” (Fil 2, 5-7). Haverá coisa mais miserável para Deus do que tomar a condição de servo? Haverá coisa mais ínfima para o Rei do universo do que partilhar a nossa natureza humana? O Rei dos reis e Senhor dos senhores, o Juiz do universo, paga impostos a César (1 Tim 6, 17; Heb 12, 23; Mc 12, 17). O Senhor da criação abraça este mundo, vem por uma gruta por não ter lugar na estalagem, refugia-se num estábulo, na companhia de animais irracionais. Aquele que é puro e imaculado toma sobre Si as manchas da natureza humana e, depois de ter partilhado toda a nossa miséria, vai a ponto de fazer a experiência da morte. Considera a desmesura da Sua pobreza voluntária! A Vida toma o gosto da morte, o Juiz é levado a tribunal, o Senhor da vida de todos submete-Se a um magistrado, o Rei das potências celestes não se subtrai às mãos dos carrascos. É por estes exemplos, diz o apóstolo Paulo, que podemos medir a Sua humildade (Fil 2, 5-7). Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Sermão 53 "Eles verão a Deus" Nós queremos ver Deus, procuramos vê-lo, desejamos ardentemente vê-lo. Quem não tem esse desejo? Mas repara no que diz o Evangelho: "Felizes os puros de coração: eles verão a Deus". Age de forma a que o vejas. Comparando com as realidades materiais, como quererias contemplar o sol nascente com olhos doentes? Se os teus olhos estiverem sãos, essa luz será para ti um prazer; se estiverem doentes, será para ti um suplício. Certamente que não te será permitido ver com um coração impuro o que só se pode ver com um coração puro. Serás afastado, desviado; não verás. Quantas vezes é que o Senhor proclamou homens "felizes"? Que motivos de felicidade é que ele citou, que boas obras, que dons, que méritos e que recompensas? Nenhuma outra bemaventurança afirma: "Eles verão a Deus". Eis como são enunciadas as outras: "Felizes os pobres em espírito: deles é o Reino do Céu. Felizes os mansos: possuirão a terra prometida. Felizes os que choram: serão consolados. Felizes os que têm fome e sede de justiça: serão saciados. Felizes os misericordiosos: alcançarão misericórdia". Portanto, nenhuma outra afirma: "Eles verão a Deus". A visão de Deus é prometida quando se trata de homens de coração puro. E não é sem razão, porque os olhos que permitem ver Deus são os olhos do coração. É desses olhos que fala o apóstolo Paulo quando diz: "Possa ele iluminar os olhos do vosso coração" (Ef 1,18). No tempo presente, esses olhos, por causa da sua fraqueza, são iluminados pela fé; mais tarde, por causa do seu vigor, serão iluminados pela visão. "Vemos actualmente uma imagem obscura, como que num espelho; nesse dia, veremos face a face" (1 Co 13,12). São Siluane (1866-1938), monge ortodoxo Escritos “Creio na comunhão dos santos” Muita gente tem a impressão de que os santos estão longe de nós. Só estão longe daqueles que se afastaram por si mesmos, mas muito próximos dos que guardam os mandamentos de Cristo e conservam a graça do Espírito Santo. No céu, tudo vive e se move pelo Espírito Santo: mas o Espírito Santo é o mesmo também aqui na terra. Está presente na nossa Igreja: actua nos sacramentos; sentimos o seu alento na Sagrada Escritura. Vivifica as almas dos crentes. O Espírito Santo une todos os homens e é por isso que os santos nos são próximos. Quando lhes rezamos, ouvem as nossas orações pelo Espírito Santo, e as nossas almas sentem, então, que eles rezam por nós. Os santos vivem no outro mundo, e lá, pelo Espírito Santo, vêem a glória de Deus e a beleza do rosto do Senhor. Os santos vêem, no mesmo Espírito Santo, a nossa vida e os nossos actos. Conhecem os nossos sofrimentos e ouvem as nossas preces ardentes. Enquanto viviam na terra, era do Espírito Santo que eles aprendiam o amor de Deus. Q uem conservar o amor neste mundo passa com ele para a vida eterna, para o Reino dos céus, onde o amor cresce e se torna perfeito. E se, já aqui, o amor não pode esquecer o irmão, quanto mais os santos não nos hão-de esquecer e rezar por nós! … Os santos eram pessoas iguais a nós. Muitos de entre eles foram grandes pecadores. Mas, pelo seu arrependimento, alcançaram o Reino dos céus onde agora vivem, onde se encontram o Senhor e sua puríssima Mãe. É para lá, para essa maravilhosa e santa assembleia reunida pelo Espírito Santo, que a minha alma se sente atraída. S. Teófilo de Antioquia, (? - cerca de 186), bispo Primeiro discurso a Autólico "Felizes os puros de coração, porque verão a Deus" (Mt 5,8) Tal como um espelho brilhante, o homem deve ter uma alma pura. Quando a ferrugem se instala no espelho, o homem deixa de poder ver nele o reflexo do seu rosto. De igual forma, quando há pecado no coração do homem, deixa de lhe ser possível ver Deus... Mas, se quiseres, podes curar-te. Confia-te ao médico; Ele abrirá os olhos da tua alma e do teu coração. Quem é o médico? É Deus que cura e vivifica pelo Verbo e pela Sabedoria. Foi pelo Seu Verbo e pela Sabedoria que Deus criou o universo. "Pelo Seu Verbo foram fundados os céus, e pelo Seu Espírito os poderes dos ceus" (Sl 32, 6). A Sua Sabedoria é omnipotente: "Pela Sabedoria, Deus fundou a terra e estabeleceu os céus com inteligência" (Pr 3, 19)... Se souberes isto, ó homem, e se levares uma vida pura, santa e justa, poderás ver Deus. Que a fé e o temor de Deus tomem antes de tudo lugar no teu coração, e compreendê-lo-ás. Quando tiveres abandonado a condição mortal e revestido a incorruptibilidade, então serás digno de ver a Deus. Porque Deus terá ressuscitado a tua carne, tornada imortal como a tua alma. E então, tornado imortal, verás o Imortal, desde que agora deposites nele a tua fé. Pregador do Papa: quem são os santos e o que eles fazem Comentário do Pe. Cantalamessa à liturgia da Solenidade de Todos os Santos ROMA, quarta-feira, 31 de outubro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, ofmcap. – pregador da Casa Pontifícia ¬– sobre a liturgia da Solenidade de Todos os Santos.

Solenidade de Todos os Santos Apocalipse 7, 2-4. 9-14; João 3, 1-3; Mateus 5, 1-12a Quem são os santos Faz tempo que os cientistas enviam sinais ao cosmos em espera de respostas por parte de seres inteligentes em algum planeta perdido. A Igreja desde sempre mantém um diálogo com os habitantes de outro mundo, os santos. É o que proclamamos ao dizer: «Creio na comunhão dos santos». Ainda que existissem habitantes fora do sistema solar, a comunicação com eles seria impossível, porque entre a pergunta e a resposta passariam milhões de anos. Aqui, ao contrário, a resposta é imediata, porque existe um centro de comunicação e de encontro comum que é Cristo Ressuscitado. Talvez também pelo momento do ano em que cai, a Solenidade de Todos os Santos tem algo especial que explica sua popularidade e as numerosas tradições ligadas a ela em alguns setores da cristandade. O motivo está no que diz João na segunda leitura. Nesta vida, «somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que seremos»; somos como o embrião no seio da mãe que anseia nascer. Os santos «nasceram» (a liturgia chama «dia do nascimento», dies natalis, no dia de sua morte); contemplá-los é contemplar nosso destino. Enquanto ao nosso redor a natureza se desnuda e caem as folhas, a festa de todos os santos nos convida a olhar para o alto; e nos recorda que não estamos destinados a ficar na terra para sempre, como as folhas. A passagem do Evangelho é a das bem-aventuranças. Uma em particular inspirou a escolha da passagem: «Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados». Os santos são aqueles que tiveram fome e sede de justiça, isto é, na linguagem bíblica, de santidade. Não se resignaram à mediocridade, não se contentaram com meias palavras. A primeira leitura da Solenidade nos ajuda a entender quem são os santos. São «os que lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro». A santidade se recebe de Cristo; não é uma produção própria. No Antigo Testamento, ser santos queria dizer «estar separados» de tudo o que é impuro; na acepção cristã, quer dizer o contrário, ou seja, «estar unidos», mas a Cristo. Os santos, isto é, os salvos, não são só os que o calendário ou o santoral enumeram. Existem os «santos desconhecidos»: que arriscaram suas vidas pelos irmãos, os mártires da justiça e da liberdade, ou do dever, os «santos leigos», como alguém os chamou. Sem saber, também suas vestes foram lavadas no sangue do Cordeiro, se viveram segundo a consciência e lhes importou o bem dos irmãos. Surge espontaneamente uma pergunta: o que os santos fazem no paraíso? A resposta está, também aqui, na primeira leitura: os salvos adoram, deixam suas coroas ante o trono, exclamando: «Louvor, honra, bênção, ação de graças...». Realiza-se neles a verdadeira vocação humana, que é a de ser «louvor da glória de Deus» (Ef 1, 14). Seu coro é guiado por Maria, que no céu continua seu canto de louvor: «Minha alma proclama a grandeza do Senhor». É neste louvor que os santos encontram sua bem-aventurança e seu gozo: «Meu espírito se alegra em Deus». O homem é aquilo que ama e aquilo que admira. Amando e louvando a Deus, ele se une Deus, participa de sua glória e de sua própria felicidade. Um dia, um santo, São Simeão, o Novo Teólogo, teve uma experiência mística de Deus tão forte que exclamou para si: «Se o paraíso não for mais que isso, já me basta!». Mas a voz de Cristo lhe disse: «És bem mesquinho se te contentas com isso. O gozo que experimentaste em comparação com o do paraíso é como um céu pintado no papel com relação ao verdadeiro céu». [Tradução realizada por Zenit] Pregador do Papa: Todos os Santos e Fiéis Defuntos CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 31 de outubro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap., pregador da Casa Pontifícia, por ocasião da solenidade de todos os santos e a comemoração dos fiéis defuntos.

XXXI Domingo Sabedoria 3, 1-9; Apocalipse 21, 1-5.6-7; Mateus 5, 1-12 A festa de todos os santos e a comemoração dos fiéis defuntos têm algo em comum e por este motivo foram colocadas uma logo após a outra. Inclusive a passagem evangélica é a mesma, a página das bem-aventuranças. Ambas as celebrações nos falam do mais além. Se não crêssemos em uma vida depois da morte, não valeria a pena celebrar a festa dos santos e menos ainda visitar o cemitério. A quem visitaríamos ou por que acenderíamos uma vela ou levaríamos uma flor? Portanto, tudo neste dia nos convida a uma sábia reflexão: "Ensina-nos a contar nossos dias – diz um salmo – e alcançaremos a sabedoria do coração". "Vivemos como as folhas da árvore no outono" (G. Ungaretti). A árvore na primavera volta a florescer, mas com outras folhas; o mundo continuará depois de nós, mas com outros habitantes. As folhas não têm uma segunda vida, apodrecem onde caem. O mesmo acontece a nós? Aqui termina a analogia. Jesus prometeu: "Eu sou a ressurreição e a vida, quem vive e crê em mim, ainda que morra viverá". É o grande desafio da fé, não só dos cristãos, mas também dos judeus e dos muçulmanos, de todos os que crêem em um Deus pessoal. Quem viu o filme "Doutor Jivago" recordará a famosa canção de Lara, a trilha sonora. Na versão italiana diz: "Não sei qual é, mas há um lugar do qual nunca regressaremos...". A canção mostra o sentido da famosa novela de Psternac, na qual se baseia o filme: dois namorados que se encontram, se buscam, mas a quem o destino (encontramo-nos na tumultuosa época da revolução bolchevique) separa cruelmente, até a cena final, na qual seus caminhos voltam a cruzar-se, mas sem reconhecer-se. Cada vez que escuto as notas dessa canção, minha fé me leva quase a gritar em meu interior: sim, há um lugar do qual nunca regressamos e do qual não queremos regressar. Jesus foi prepará-lo para nós, nos abriu a vida com sua ressurreição e nos indicou o caminho para segui-lo com a passagem das bem-aventuranças. Um lugar no qual o tempo se deterá para dar passagem à eternidade; onde o amor será pleno e total. Não só o amor de Deus e por Deus, mas também todo amor honesto e santo vivido na terra. A fé não exime os crentes da angústia de ter de morrer, mas a alivia com a esperança. O prefácio da missa de amanhã diz: "aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola". Neste sentido, há um testemunho comovente que também se encontra na Rússia. Em 1972, em uma revista clandestina se publicou uma oração encontrada no bolso da jaqueta do soldado Aleksander Zacepa, composta pouco antes da batalha na qual perdeu a vida na 2ª Guerra Mundial. Diz assim: Escuta, ó Deus! Em minha vida não falei nem uma só vez contigo, mas hoje tenho vontade de fazer festa. Desde pequeno me disseram sempre que Tu não existes... E eu, como um idiota, acreditei. Nunca contemplei tuas obras, mas esta noite vi desde a cratera de uma granada o céu cheio de estrelas e fiquei fascinado por seu resplendor. Nesse instante compreendi que terrível é o engano... Não sei, ó Deus, se me darás tua mão, mas te digo que Tu me entendes... Não é algo estranho que em meio a um espantoso inferno a luz tenha me aparecido e eu tenha descoberto a ti? Não tenho nada mais para dizer. Sinto-me feliz, pois te conheci. À meia-noite temos de atacar, mas não tenho medo, Tu nos vês. Deram o sinal! Tenho que ir. Que bem estava contigo! Quero te dizer, e Tu o sabes, que a batalha será dura: talvez esta noite vá bater à tua porta. E se até agora não fui teu amigo, quando eu chegar, Tu me deixarás entrar? Mas, o que acontece comigo? Estou chorando? Meu Deus, olha o que me aconteceu. Só agora comecei a ver com clareza... Meu Deus, vou-me... será difícil regressar. Que estranho, agora a morte não me dá medo. [Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri] A riqueza dos pobres de espírito, segundo o pregador do Papa Comentário do padre Cantalamessa à liturgia do próximo domingo ROMA, sexta-feira, 1º de fevereiro de 2008 (ZENIT.org).- Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – à Liturgia da Palavra do próximo domingo, IV do Tempo Comum.

IV Domingo do Tempo Comum Sofonias 2, 3; 3, 12-13; 1 Coríntios 1, 26-31; Mateus 5, 1-12a Bem-aventurados os pobres de espírito O Evangelho deste domingo propõe a passagem das Bem-aventuranças e começa com a célebre frase: «Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus». A afirmação «bem-aventurados os pobres de espírito» com freqüência é mal entendida hoje, ou inclusive se cita com algum sentimento de compaixão, como se fosse para a credulidade dos ingênuos. Mas Jesus jamais disse simplesmente: «Bem-aventurados os pobres de espírito!»; nunca sonhou pronunciar algo assim. Disse: «Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus», que é muito distinto. Deturpa-se completamente o pensamento de Jesus e se banaliza quando se cita sua frase pela metade. Assim separa-se a bem-aventurança de seu motivo. Seria, por um exemplo gramatical, como se se disesse, suponhamos: «O que semeia...»; se entende algo? Nada! Mas se acrescenta: «colhe», imediatamente tudo se esclarece. Também se Jesus tivesse dito apenas: «Bem-aventurados os pobres!», soaria absurdo, mas quando acrescenta: «porque deles é o Reino dos Céus», tudo se faz compreensível. Mas que bendito Reino dos Céus é este, que realizou uma verdadeira «inversão de todos os valores?» É a riqueza que não passa, que os ladrões não podem roubar nem a traça consumir. É a riqueza que não se deve deixar para outros com a morte, mas que se leva consigo. É o «tesouro escondido» e a «pérola preciosa», aquilo que, para ter, vale a pena – diz o Evangelho – deixar tudo. O Reino de Deus, em outras palavras, é o próprio Deus. Sua chegada produziu uma espécie de «crise de governo» de alcance mundial, uma mudança radical. Abriu horizontes novos. Em alguma medida como quando, no século XV, se descobriu que existia outro mundo, América, e as potências que ostentavam o monopólio do comércio com o Oriente, como Veneza, se viram de golpe surpreendidas e entraram em crise. Os velhos valores do mundo – dinheiro, poder, prestígio – mudaram, se relativizaram, inclusive se rejeitaram, por causa da chegada do Reino. E agora quem é o rico? Talvez um homem tenha uma ingente soma em dinheiro; pela noite se produz uma desvalorização total; pela manhã se levanta sem nada ter, ainda que não saiba ainda. Os pobres, pelo contrário, estão em vantagem com a vinda do Reino de Deus, porque ao não terem nada que perder estão mais dispostos a acolher a novidade e não temem a mudança. Podem investir tudo na nova moeda. Estão mais preparados para crer. Cremos que as mudanças que contam são aquelas visíveis e sociais, não as que ocorrem na fé. Mas quem tem razão? Conhecemos, no século passado, muitas revoluções deste tipo; contudo também vimos o que facilmente, depois de algum tempo, acabam por reproduzir, com outros protagonistas, a mesma situação de injustiça que pretendiam eliminar. Há planos e aspectos da realidade que não se percebem à simples vista, mas só com a ajuda de uma luz especial. Atualmente se disparam, com satélites artificiais, fotografias com raios infra-vermelhos de regiões inteiras da terra, e quão diferente se vê o panorama com esta luz! O Evangelho, e em particular nossa bem -aventurança dos pobres, nos dá uma imagem do mundo «com raios infra-vermelhos». Permite captar o que está por baixo, ou mais além da aparência. Permite distinguir o que passa e o que fica. Cromácio de Aquileia (? - 407), bispo Sermão 39 "Depois da lei comunicada através de Moisés, a graça e a verdade vieram através de Jesus Cristo" (Jo 1,17) É bom que a nova lei tenha sido proclamada sobre uma montanha, uma vez que a lei de Moisés foi dada sobre uma montanha. Uma consiste em dez mandamentos destinados a formar os homens em ordem à vida presente; a outra, em oito bem-aventuranças, pois conduz os que a seguem à vida eterna e à pátria celeste. "Felizes os mansos, porque possuirão a terra". É preciso, pois, sermos mansos, pacíficos de alma e sinceros de coração; o Senhor mostra claramente que o seu mérito não é pequeno, ao dizer: "eles possuirão a terra". Trata-se, sem qualquer dúvida, da terra de que está escrito: "Estou certo de que verei a bondade do Senhor na terra dos vivos" (Sl 26,13). A herança dessa terra é a imortalidade do corpo e a glória da ressurreição eterna. Porque a mansidão ignora o orgulho, não conhece a vanglória, não conhece a ambição. Por isso, é com razão que o Senhor exorta noutro passo os discípulos, dizendo: "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração e encontrareis repouso para as vossas almas" (Mt 11,29). "Felizes os que choram, porque serão consolados". Não os que choram a perda do que lhes é querido, mas que choram os seus pecados, que se lavam das suas faltas com lágrimas, e também os que choram a iniquidade deste mundo ou se lamentam pelas faltas dos outros. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja “Aprendei de mim” Que é seguir, senão imitar? A prova é que Cristo sofreu por nós, deixando-nos um exemplo, como diz o Apóstolo, para que sigamos os seus passos (1P 2,21). Bem aventurados os pobres em espírito. Imitai pois aquele que se fez pobre por vossa causa quando ele era rico (2Co 8,9). Bem aventurados os mansos. Imitai aquele que disse: vinde para a minha escola, porque eu sou manso e humilde de coração (Mt 11,29). Bem aventurados os que choram. Imitai aquele que chorou sobre Jerusalém (Lc 19,41). Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça. Imitai aquele que disse: o meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou (Jo 4,34). Bem aventurados os misericordiosos. Imitai aquele que trouxe auxílio ao que fora ferido pelos ladrões e jazia no caminho, meio morto e desesperado (Lc 10,33). Bem aventurados os corações puros. Imitai aquele que nunca pecou e em cuja boca nunca se encontrou malícia (1P 2,22). Bem aventurados os pacíficos. Imitai aquele que disse em favor dos seus perseguidores: perdoai-lhes Pai, porque eles não sabem o que fazem (Lc 23,34). Bem aventurados os que sofrem perseguições por causa da justiça. Imitai aquele que sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, para que sigais os seus passos. Vejo-te, ó bom Jesus, com os olhos da fé que tu abriste em mim, vejo-te clamando e dizendo, como se discursasses para o género humano: “Vinde a mim e entrai para a minha escola” S. João Crisóstomo (345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinópola, doutor da Igreja Homilia sobre a Segunda carta aos Coríntios “Regozijai-vos; permanecei na alegria porque a vossa recompensa será grande” Só os cristãos estimam as coisas pelo seu verdadeiro valor, e não têm os mesmos motivos para se regozijarem e para se entristecerem que o resto dos homens. À vista de um atleta ferido, levando na cabeça a coroa de vencedor, quem nunca praticou nenhum desporto considera somente as feridas que fazem sofrer aquele homem; não imagina a felicidade que lhe proporciona a sua recompensa. Assim fazem as pessoas de quem falamos. Eles sabem que nós sofremos as provas, mas ignoram porque as suportamos. Eles só consideram os nossos sofrimentos. Vêem as lutas nas quais estamos envolvidos e os perigos que nos ameaçam. Mas as recompensas e as coroas permanecem-lhes ocultas, não menos que a razão dos nossos combates. Como afirmas S.Paulo: “Crêem-nos como nada tendo, e nós possuímos tudo” (2 Co 6,10) ... Por causa dos que nos olham, quando submetidos à prova por causa de Cristo, suportêmo-la corajosamente, mais ainda, com alegria. Se jejuamos, espelhemos a alegria, como se estivéssemos nas de lícias. Se nos ultrajam, dancemos alegremente como se estivéssemos cumulados de elogios. Se sofremos um mal, consideremo-lo como um ganho. Se nos dão uma prova, persuademo-nos de que recebemos ... Antes de tudo, lembra-te que combates pelo Senhor Jesus. Então tu entrarás de boa vontade na luta e tu viverás sempre na alegria, porque nada nos torna mais felizes que uma boa consciência. Pregador do Papa: «Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra» Segunda pregação da Quaresma ao Papa e à Cúria CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 16 de março de 2007 (ZENIT.org).- «Bemaventurados os mansos, porque possuirão a terra -- as bem-aventuranças evangélicas» é o tema da segunda pregação da Quaresma que, ante Bento XVI e a Cúria, o Pe. Raniero Cantalamessa O.F.M., pregador da Casa Pontifícia, pronunciou nesta sexta-feira. Oferecemos na íntegra o texto desta pregação. A primeira pregação da Quaresma foi publicada em Zenit, 9 de março de 2007. Pe. Raniero Cantalamessa “BEM-AVENTURADOS OS MANSOS, PORQUE POSSUIRÃO A TERRA” Segunda Pregação da Quaresma à Casa Pontifícia 1.Quem são os mansos A bem-aventurança sobre a qual desejo meditar hoje se presta a uma observação importante. Diz: «bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra». Pois bem, em outra passagem do mesmo evangelho de Mateus, Jesus exclama: «Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração» (Mt 11, 29). Daí deduzimos que as bem-aventuranças não são só um bom programa ético que o mestre traça para seus discípulos; são o auto retrato de Jesus! É Ele o verdadeiro pobre, o manso, o puro de coração, o perseguido pela justiça. Está aqui o limite de Gandi em sua aproximação ao sermão da montanha, que igualmente admirava muito. Para ele, aquele poderia até prescindir do todo da pessoa histórica de Cristo. «Não me importaria sequer -- disse em uma ocasião -- se alguém demonstrasse que o homem Jesus na realidade não viveu jamais, e o que se lê nos Evangelhos não é mais que fruto da imaginação do autor. Porque o sermão da montanha permaneceria sempre verdadeiro ante meus olhos» [1]. É, no entanto, a pessoa e a vida de Cristo o que faz das bem-aventuranças e de todo o sermão da montanha algo mais que uma esplêndida utopia ética; faz disso uma realização histórica, da qual cada um pode tirar força para a comunhão mística que lhe une à pessoa do Salvador. Não pertencem só à ordem dos deveres, mas também à da graça. Para descobrir quem são os mansos proclamados bem-aventurados por Jesus, é útil revisar brevemente os termos com os quais a palavra mansos (praeis) se plasma nas traduções modernas. O italiano tem dois termos: «miti» e «mansueti». Este último é também o termo empregado nas traduções espanholas, los mansos. Em francês a palavra se traduz com doux, literalmente «os doces», aqueles que possuem a virtude da doçura (não existe em francês um termo específico para dizer mansidão; no «Dictionnaire de spiritualité» esta virtude está exposta como douceur, doçura). No alemão se alternam diversas traduções. Lutero traduzia o termo com Sanftmntigen, isto é, mansos, doces; na tradução ecumênica da Bíblia, a Einheits Bibel, os mansos são aqueles que não exercem nenhuma violência -- die keine Gewalt anwenden --, portanto, os não-violentos; alguns autores acentuam a dimensão objetiva e sociológica e traduzem praeis com Machtlosen, os inermes, os sem-poder. O inglês vincula habitualmente praeis com the gentle, introduzindo na bem-aventurança a matiz de gentileza e de cortesia. Cada uma dessas traduções evidencia um componente verdadeiro, mas parcial, da bemaventurança. É preciso considerá-las em conjunto e não isolar nenhuma, a fim de ter uma idéia da riqueza originária do termo evangélico. Duas associações constantes ajudam a captar o «sentido pleno» de mansidão: uma é a que aproxima mansidão e humildade, a outra a que aproxima mansidão e paciência; uma traz à luz as disposições interiores das quais brota a mansidão; a outra, as atitudes que impulsionam a ter respeito pelo próximo: afabilidade, doçura, gentileza. São as mesmas características que o Apóstolo evidencia falando da caridade: «A caridade é paciente, é serviçal, não é invejosa, não se engana...» (1 Cor 13, 4-5). 2.Jesus, o manso Se as bem-aventuranças são o auto-retrato de Jesus, a primeira coisa que se deve fazer ao comentar uma delas é ver como Ele as viveu. Os evangelhos são, de ponta a ponta, a demonstração da mansidão de Cristo, em seu duplo aspecto de humildade e de paciência. Ele mesmo, recordamos, se propõe como modelo de mansidão. A Ele Mateus aplica as palavras do Servo de Deus em Isaías: «Não disputará nem gritará, o caniço rachado não quebrará, nem apagará a chama que ainda fumega» (Mt 12, 20). Sua entrada em Jerusalém no lombo de um burro se vê como um exemplo de rei «manso» que foge de toda idéia de violência e de guerra (Mt 21, 4). A prova máxima da mansidão de Cristo se tem em sua paixão. Nenhum gesto de ira, nenhuma ameaça. «Insultado, não respondia com insultos; ao padecer, não ameaçava» (1 Ped 2, 23). Essa característica da pessoa de Cristo se havia gravado de tal forma na memória de seus discípulos, que São Paulo, querendo exortar os coríntios sobre algo querido e sagrado, lhes escreve: «Vos suplico pela mansidão (prautes) e pela benignidade (epieikeia) de Cristo» (2 Cor 10, 1). Mas Jesus fez muito mais que dar-nos exemplo de mansidão e paciência heróica; fez da mansidão e da não-violência o sinal da verdadeira grandeza. Esta já não consistirá em levantar-se solitários sobre os demais, sobre a massa, mas em inclinar-se para servir e elevar os outros. Sobre a cruz, diz Agostinho, Ele revela que a verdadeira vitória não consiste em fazer vítimas, mas em fazer-se vítima, «Victor quia victima» [2]. Nietzsche, sabe-se, se opôs a esta visão, definindo-a uma «moral de escravos», sugerida pelo «ressentimento» natural dos fracos para com os fortes. Pregando a humildade e a mansidão, o tornar-se pequenos, o dar a outra face, o cristianismo introduziu, em sua opinião, uma espécie de câncer na humanidade, que apagou seu impulso e mortificou sua vida... Na introdução ao livro Assim falava Zaratustra, a irmã do filósofo resumia assim o pensamento de seu irmão: «Ele supõe que, pelo ressentimento de um cristianismo fraco e falseado, tudo o que era belo, forte, soberbo, poderoso -- como as virtudes procedentes da força -- foi proscrito e proibido, e que por isso diminuíram muito as forças que promovem e dão prazer à vida. Mas agora uma nova tabela de valores deve ser colocada sobre a humanidade, isto é, o forte, o homem magnífico até seu ponto mais excelso, o super-homem, que nos é apresentado agora com paixão como objetivo de nossa vida, de nossa vontade e de nossa esperança.» [3] Há algum tempo se assiste ao intento de absolver Nietzsche de toda acusação, de amansá-lo e até de cristianizá-lo. Diz-se que no fundo ele não vai contra Cristo, mas contra os cristãos que em certas épocas pregaram uma renúncia como fim em si mesma, desprezando a vida e indo contra o corpo.... Todos teriam tergiversado o verdadeiro pensamento do filósofo, começando por Hitler... Na realidade, ele teria sido um profeta de tempos novos, o precursor da era pósmoderna. Restou, poderíamos dizer, uma só voz que se opõe a esta tendência, a do pensador francês René Giarard, segundo o qual todas essas tentativas prejudicaram antes de tudo o próprio Nietzsche. Com uma perspicácia realmente única para seu tempo, ele captou o verdadeiro núcleo do problema, a alternativa irredutível entre paganismo e cristianismo. O paganismo exalta o sacrifício do fraco a favor do forte e do progresso da vida; o cristianismo exalta o sacrifício do forte a favor do fraco. É difícil não ver um nexo objetivo entre a proposta de Nietzsche e o programa hitleriano de eliminação de grupos humanos inteiros diante da civilização e da pureza da raça. Não é, portanto, só o cristianismo o alvo do filósofo, mas também Cristo. «Dionísio contra o Crucificado»: «eis aí a antítese», exclama em um de seus fragmentos póstumos [4]. Girard demonstra que o que forma a maior honra da sociedade moderna -- a preocupação pelas vítimas, estar do lado do fraco e do oprimido, a defesa da vida ameaçada -- é na realidade um produto direto da revolução evangélica que, contudo, por um paradoxo jogo de rivalidades miméticas, é agora reivindicado por outros momentos, como conquista própria, inclusive em oposição ao cristianismo [5]. Falávamos, da última vez, sobre a relevância até social das bem-aventuranças. A dos mansos é seu exemplo talvez mais claro, mas o que se diz dela vale, em conjunto, para todas as bemaventuranças. São a manifestação da nova grandeza, o caminho de Cristo para a autorealização na felicidade. Não é verdade que o Evangelho mortifique o desejo de fazer grandes coisas e de sobressair. Jesus diz. «Quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servidor de todos» (Mc 9, 35). É portanto lícito, e inclusive está recomendado, querer ser o primeiro; só que o caminho para chegar a isso mudou: não elevando-se acima dos demais, talvez esmagando-os se são um obstáculo, mas inclinando-se para elevar os demais consigo. 3.Mansidão e tolerância A bem-aventurança dos mansos passou a ser de extraordinária relevância no debate sobre religião e violência, ascendido depois de fatos como o de 11 de setembro. Ela recorda, antes de tudo a nós, os cristãos, que o Evangelho não dá lugar a dúvidas. Não há nele exortações à não-violência misturadas com exortações contrárias. Os cristãos podem, em certas épocas, ter errado sobre isso, mas a fonte é limpa e a ela a Igreja pode voltar para inspirar-se novamente em toda época, certa de não encontrar nela mais que verdade e santidade. O Evangelho diz que «quem não crer será condenado» (Mc 16, 16), mas no céu, não na terra; por Deus, não pelos homens. «Quando vos perseguirem em uma cidade -- diz Jesus --, fugi para outra» (Mt 10, 23); não diz: «coloquem-na a ferro e fogo». Uma vez, dois de seus discípulos, Tiago e João, que não haviam sido recebidos em certo povoado samaritano, disseram a Jesus: «Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para que os consuma?». Jesus, está escrito, «voltando-se, os repreendeu». Muitos manuscritos recolhem também o tom da rejeição: «Não sabeis de que espírito sois, porque o Filho do homem não veio para perder as almas dos homens, mas para salvá-las» (Lc 9, 53-56). O famoso campelle intrare, «obrigai-vos a entrar», com o qual Santo Agostinho, ainda que muito a seu pesar [6], justifica sua aprovação das leis imperiais contra os donatistas [7] e que se utilizará depois para justificar a coerção com relação aos hereges, deve-se a uma má interpretação do texto evangélico, fruto de uma leitura mecanicamente literal da Bíblia. A frase é posta por Jesus na boca do homem que havia preparado uma grande ceia e, ante a rejeição dos convidados a ir, diz aos servos que vão para as ruas e proximidades e que «façam entrar os pobres e marginalizados, cegos e coxos» (Lc 14, 15-24). Está claro que obrigar não significa outra coisa, no contexto, que uma amável insistência. Os pobres e os marginalizados, como todos os infelizes, poderiam sentir-se violentos ao apresentar-se no palácio: vencei sua resistência, recomenda o Senhor, dizei-lhes que não tenham medo de entrar. Quantas vezes, em circunstâncias similares, nós mesmos dissemos: «Obrigou-me a aceitar», sabendo bem que a insistência nestes casos é sinal de benevolência, não de violência. Em um livro-pesquisa sobre Jesus, que suscitou muito eco ultimamente na Itália, se atribui a Jesus a frase: «Mas àqueles inimigos meus, os que não quiseram que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os diante de mim» (Lc 19, 27), e se deduz que «é a frases como estas que se remetem os partidários da 'guerra santa'» [8]. Pois bem: é necessário precisar que Lucas não atribui tais palavras a Jesus, mas ao rei da parábola, e se sabe que não se podem trasladar da parábola à realidade todos os detalhes do relato parabólico, e que em todo caso é preciso elevá-los do plano material ao espiritual. O sentido metafórico dessas parábolas é que aceitar ou rejeitar Jesus não carece de conseqüências; é uma questão de vida ou morte, mas vida e morte espiritual, não física. A guerra santa não tem nada a ver. 4.Com mansidão e respeito Mas deixemos de lado estas considerações de ordem apologética e procuremos ver como fazer da bem-aventurança dos mansos uma luz para nossa vida cristã. Existe uma aplicação pastoral da bem-aventurança dos mansos que começa já com a Primeira Carta de Pedro. Refere-se ao diálogo com o mundo externo: «Dai culto ao Senhor Cristo em vossos corações, sempre dispostos a dar resposta a todo aquele que vos peça razão de vossa esperança. Mas fazei-o com mansidão (prautes) e respeito» (1 Pedro 3, 15-16). Existiram, desde a antigüidade, dois tipos de apologética; um tem seu modelo em Tertuliano, outro em Justino; um se orienta a vencer, o outro a convencer. Justino escreve um Diálogo com o judeu Trifon, Tertuliano (ou um discípulo seu) escreve um tratado Contra os judeus, Adversus Judeos. Estes dois estilos tiveram uma continuidade na literatura cristã (nosso Giovanni Papini era certamente mais próximo a Tertuliano que a Justino), mas é verdade que hoje é preferível o primeiro. A encíclica Deus caritas est, do atual Sumo Pontífice, é um exemplo luminoso desta apresentação respeitosa e construtiva dos valores cristãos que dá razão da esperança cristã «com mansidão e respeito». O mártir Santo Inácio de Antioquia sugeria aos cristãos de seu tempo, com relação ao mundo externo, esta atitude, sempre atual: «Ante sua ira, sede mansos; ante sua presunção, sede humildes» [9]. A promessa ligada à bem-aventurança dos mansos -- «possuirão a terra» -- se realiza em diversos níveis, até a terra definitiva que é a vida eterna, mas certamente um dos planos é o humano: a terra são os corações dos homens. Os mansos conquistam a confiança, atraem as almas. O santo por excelência da mansidão e da doçura, São Francisco de Sales, costumava dizer: «Sede o mais doce que possais e recordai que se pegam mais moscas com uma gota de mel que com um barril de vinagre». 5.Aprendei de mim Poderíamos insistir longamente sobre estas aplicações pastorais da bem-aventurança dos mansos, mas passemos a uma aplicação pessoal. Jesus diz: «Aprendei de mim que sou manso». Alguém poderia objetar: mas Jesus não se mostrou, Ele mesmo, sempre manso! Diz, por exemplo, que não se deve opor-se ao malvado, e que «ao que te bata na face direita, oferece-lhe também a outra» (Mt 5, 39). Mas quando um dos guardas lhe golpeia a face, durante o processo no Sinédrio, não está escrito que ofereceu a outra, mas com calma respondeu: «Se falei mal, declara o que está mal; mas se falei bem, por que me bates?» (João 18, 23). Isso significa que nem tudo, no sermão da montanha, deve ser tomado mecanicamente ao pé letra; Jesus, segundo seu estilo, utiliza hipérboles e uma linguagem figurada para gravar melhor na mente dos discípulos determinada idéia. No caso de oferecer a outra face, por exemplo, o importante não é o gesto de oferecê-la (que às vezes até pode parecer provocador), mas o de não responder à violência com outra violência, vencer a ira com serenidade. Neste sentido, sua resposta ao guarda é o exemplo de uma mansidão divina. Para medir seu alcance, basta compará-la à reação de seu apóstolo Paulo (que era um santo) em uma situação análoga. Quando, no processo ante o Sinédrio, o sumo sacerdote Ananias ordena golpear Paulo na boca, ele responde: «Deus te golpeará, parede caiada» (Atos 23, 2-3). Deve-se esclarecer outra dúvida. No mesmo sermão da montanha, Jesus diz: «Quem chamar seu irmão de 'imbecil' será réu ante o Sinédrio; e quem o chamar de idiota, será o réu da geena de fogo» (Mt 5, 22). Várias vezes no Evangelho Ele se dirige aos escribas e fariseus chamando-os de «hipócritas, insensatos e cegos» (Mt 23, 17); rejeita os discípulos chamandoos de «insensatos e lentos de coração» (Lc 24, 25). Também aqui a explicação é simples. Devemos distinguir entre a injúria e a correção. Jesus condena as palavras ditas com raiva e com intenção de ofender o irmão, não as que se orientam a fazer tomar consciência do próprio erro e a corrigir. Um pai que diz a seu filho: «você é um indisciplinado, um desobediente», não pretende ofendê-lo, mas corrigi-lo. Moisés é definido pela Escritura como «mais manso que qualquer homem sobre a terra» (Nm 12, 3); contudo, no Deuteronômio o ouvimos exclamar, dirigindo-se a Israel: «Assim pagais a Javé, povo insensato e néscio?» (Dt 32, 6). O decisivo é se quem fala o faz por amor ou por ódio. «Ama e faz o que quiseres», dizia Santo Agostinho. Se amas, seja corrigindo, seja deixando passar, será amor. O amor não faz nenhum dano ao próximo; da raiz do amor, como de uma árvore boa, não podem nascer mais que frutos bons [10]. 6. Mansos de coração Chegamos assim ao terreno próprio da bem-aventurança dos mansos, o coração. Jesus disse: «Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração». A verdadeira mansidão se decide aí. É do coração, disse, que precedem os homicídios, maldades, calúnias (Mc 7, 21-22), como das agitações internas do vulcão se expulsam lavas, cinzas e material incandescente. As maiores explosões de violência, como as guerras e conflitos, começam, como disse Santiago, secretamente desde as «paixões que agitam dentro do coração do homem» (St 4, 1-2). Assim como existe um adultério do coração, existe um homicídio do coração: «Quem odeia seu próprio irmão – escreve João –, é um homicida» (1 Jo 3, 15). Não existe apenas a violência das mãos; existe também a dos pensamentos. Dentro de nós, se prestarmos atenção, se desenvolvem quase continuamente «processos a portas fechadas». Um monge anônimo tem páginas de grande impacto a esse respeito. Fala como monge, mas o que diz não vale apenas para os mosteiros; aponta o exemplo dos súditos, mas é evidente que o problema se apresenta de outro modo também para os superiores. «Observe – diz –, ainda que seja por um dia, o curso de seus pensamentos: irá se surpreender com a freqüência e vivacidade de suas críticas internas a interlocutores imaginários, e talvez com os que lhe são próximos. Qual é habitualmente sua origem? Esta: o descontentamento por causa de seus superiores que não nos agradam, não nos estimam, não nos entendem; são severos, injustos ou muito fechados, “sem compreensão, obstinados, bruscos, exagerados ou injuriosos…”. Então em nosso espírito se cria um tribunal no qual somos fiscal, presidente, juiz e jurado; raramente advogado, mas que em nosso favor. Se expõem os agravos; se pesam as razões: defende-se, justifica-se, condena-se o ausente. Talvez se elaborem planos de revanche com estilo vingativo…» [11] Os Padres do deserto, ao não ter que lutar contra inimigos externos, fizeram desta batalha interior contra os pensamentos (os famosos logismoí) o banco de prova de todo o progresso espiritual. Também elaboraram um método de luta. Nossa mente, diziam, tem a capacidade de preceder o desenvolvimento de um pensamento, de conhecer, desde o princípio, aonde irá parar: se a desculpar o irmão ou a perdoá-lo, se à glória própria ou à glória de Deus. «Tarefa do monge – dizia um ancião – é ver chegar de longe os próprios pensamentos» [12], entendese que para fechar-lhes o caminho, quando não estão de acordo com a caridade. A maneira mais simples de fazê-lo é dizer uma breve oração ou enviar uma bênção para a pessoa que temos tentação de julgar. Depois, com a mente serena, poder-se-á avaliar se e como atuar a esse respeito. 7. Revestir-se da mansidão de Cristo Uma observação antes de concluir. Por sua natureza, as bem-aventuranças estão orientadas à prática; chamam à imitação, acentuam a obra do homem. Existe o risco de desalentar-se ao constatar a incapacidade de realizá-las na própria vida e a distância abismal que existe entre o ideal e a prática. Deve-se recordar o que se dizia ao início: as bem-aventuranças são o auto-retrato de Jesus. Ele as viveu todas em grau maior; mas – e aqui está a boa notícia – não as viveu apenas para si, mas também para todos nós. A respeito das bem-aventuranças, estamos chamados não só à imitação, mas também à apropriação. Na fé podemos beber da mansidão de Cristo, como de sua pureza de coração e de qualquer outra virtude sua. Podemos orar para ter a mansidão, como Agostinho orava para ter a castidade: «Oh, Deus, tu me mandas que seja manso; dá-me o que mandas e manda-me o que queres» [13]. «Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão (prautes), paciência» (Col 3, 12), escreve o apostolo aos colossenses. A mansidão e a bondade são como uma veste que Cristo nos presenteou e que, na fé, podemos nos revestir, não para sermos dispensados da prática, mas para nos animarmos a ela. A mansidão (prautes) é situada por Paulo entre os frutos do Espírito (Ga 5, 23), isto é, entre as qualidades que o crente mostra na própria vida, quando acolhe o Espírito Santo e se esforça por corresponder. Podemos, portanto, terminar repetindo juntos com confiança a bela invocação das letanias do Sagrado Coração: «Jesus, manso e humilde de coração, fazei nosso coração semelhante ao vosso»: Jesu, mitis et humilis corde: fac cor nostrum secundum cor tutum. [Traduzido por Zenit]


[1] Gandhi, Buddismo, Cristianesimo, Islamismo, Roma, Tascabili Newton Compton, 1993, p.

53. [2] S. Agostino, Confessioni, X, 43. [3] Introduzione all’edizione tascabile di Also sprach Zarathustra del 1919. [4] F. Nietzsche, Opere complete, VIII, Frammenti postumi 1888-1889, Adelphi, Milano 1974, p. 56. [5] R. Girard, Vedo Satana cadere come folgore, Milano, Adelphi, 2001, pp. 211-236. [6] S. Agostino, Epistola 93, 5: “Dapprima ero del parere che nessuno dovesse essere condotto per forza all’unità di Cristo, ma si dovesse agire solo con la parola, combattere con la discussione, convincere con la ragione”. [7] Cf. S. Agostino, Epistole 173, 10; 208, 7. [8] Corrado Augias – Mauro Pesce, Inchiesta su Gesù. Mondadori, Milano 2006, p.52. [9] S. Ignazio d’Antiochia, Agli Efesini, 10,2-3. [10] S. Agostino, Commento alla Prima Lettera di Giovanni 7,8 (PL 35, 2023) [11] Un monaco, Le porte del silenzio, Ancora, Milano 1986, p. 17 (Originale: Les porte du silence, Libraire Claude Martigny, Genève). [12] Detti e fatti dei Padri del deserto, a cura di C. Campo e P. Draghi, Rusconi, Milano 1979, p. 66. [13] Cf. S. Agostino, Confessioni, X, 29.pe ZP07031622 Pregador do Papa: «Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis saciados» Terceira pregação de Quaresma ao Papa e à Cúria CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 23 de março de 2007 (ZENIT.org).- «Bemaventurados vós que agora tendes fome, porque sereis saciados -- As bem-aventuranças evangélicas» é o tema da terceira pregação da Quaresma que, ante Bento XVI e a Cúria, pronunciou nesta sexta-feira o Pe. Raniero Cantalamessa O.F.M. Cap., pregador da Casa Pontifícia. Oferecemos integramente o texto desta pregação. A primeira e a segunda se publicaram em Zenit, respectivamente em 9 e 16de março.

Pe. Raniero Cantalamessa «BEM-AVENTURADOS OS QUE AGORA SENTEM FOME, PORQUE SERÃO SACIADOS» Terceira Pregação da Quaresma à Casa Pontifícia 1.História e Espírito A investigação sobre o Jesus histórico, hoje tão em auge -- tanto a feita por estudiosos crentes como a radical dos não-crentes -- esconde um grave perigo: o de induzir a crer que só o que, por esta nova via, se possa remontar ao Jesus terreno é «autêntico», enquanto que todo o demais seria não-histórico e, portanto, não «autêntico». Isso significaria limitar indevidamente só à história os meios que Deus tem à disposição para revelar-se. Significaria abandonar tacitamente a verdade de fé da inspiração bíblica e, portanto, o caráter revelado das Escrituras. Parece que esta exigência de não limitar unicamente à história a investigação sobre o Novo Testamento começa a abrir caminho entre diversos estudos da Bíblia. Em 2005, celebrou-se em Roma, no Instituto Bíblico, uma consulta sobre «Crítica canônica e interpretação teológica» («Canon Cristicism and Theological Interpretation»), com a participação de eminentes estudiosos do Novo Testamento. Tinha o objetivo de promover este aspecto da investigação bíblica que leva em consideração a dimensão canônica das Escrituras, integrando a investigação histórica com a dimensão teológica. De tudo isso deduzimos que «palavra de Deus» e, portanto, normativa para o crente, não é o hipotético «núcleo originário» diversamente reconstruído pelos historiadores, mas o que está escrito nos evangelhos. O resultado das investigações históricas deve ser levado enormemente em conta porque é o que deve orientar a compreensão também dos desenvolvimentos posteriores da tradição, mas a exclamação «Palavra da Salvação!» nós seguiremos pronunciando-a ao término da leitura do texto evangélico, não ao término da leitura do último livro sobre o Jesus histórico. As duas leituras, a histórica e a de fé, têm entre si um importante ponto de encontro. «Um evento é histórico -- escreveu um eminente estudioso do Novo Testamento -- quando aparecem nele dois requisitos: ‘aconteceu’ e também assumiu uma relevância significativa determinante para as pessoas que estiveram envolvidas nele e estabeleceram sua narração» [1]. Existem infinitos fatos realmente ocorridos que, no entanto, não pensamos em definir como «históricos», porque não deixaram marca alguma na história, não suscitaram nenhum interesse, nem fizeram nascer nada novo. «Histórico» não é, portanto, o descarnado fato de crônica, mas o fato mais o significado dele. Neste sentido, os evangelhos são «históricos» não só pelo que referem ter verdadeiramente ocorrido, mas pelo significado dos fatos que trazem à luz sob a inspiração do Espírito Santo. Os evangelistas, e a comunidade apostólica antes deles, com seus adendos e destaques diversos, não fizeram senão evidenciar os diferentes significados ou implicações de uma determinada fala ou fato de Jesus. João se preocupa por fazer que se explique antecipadamente por Jesus mesmo este fato quando lhe atribui as palavras: «Muito tenho ainda por dizer-vos, mas agora não podeis com isso. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará até a verdade completa; pois não falará por sua conta, mas falará o que ouvir e vos anunciará o que há de vir» (João 16, 12-13). Estas observações nos são de particular utilidade quando se trata do uso que é preciso fazer das bem-aventuranças evangélicas. É bem sabido que as bem-aventuranças nos chegaram em duas versões diferentes. Mateus tem oito bem-aventuranças; Lucas só quatro, seguidas, no entanto, de outros tantos «ai» contrários. Em Mateus, o discurso é indireto: «Bem-aventurados os pobres», «bem-aventurados os que têm fome»; em Lucas o discurso é direto: «bemaventurados vós, os pobres», «bem-aventurados os que tendes fome»; Lucas diz «pobres» e «famintos», Mateus pobres «de espírito» e famintos «de justiça». Depois de todo o trabalho crítico realizado para distinguir o que, nas bem-aventuranças, se remonta ao Jesus histórico e o que é próprio de Mateus e de Lucas, [2], a tarefa do crente de hoje não é a de escolher como autêntica uma das duas versões e deixar de lado a outra. Tratase mais de recolher a mensagem contida em uma e outra versão evangélica e -- segundo os casos e as necessidades de hoje -- avaliar, cada vez, uma ou outra perspectiva, como fez cada um dos dois evangelistas em seu tempo. 2. Quem são os famintos e quem são os saciados Seguindo este princípio, refletimos hoje sobre a bem-aventurança dos famintos, partindo da versão de Lucas: «Bem-aventurados vós que agora sentis fome, porque sereis saciados». Veremos, em um segundo momento, que a versão de Mateus, que fala de «fome de justiça», não se opõe à de Lucas, mas que a confirma e reforça. Os que têm fome, na bem-aventurança de Lucas, não constituem uma categoria diferente dos pobres mencionados na primeira bem-aventurança. São os mesmos pobres considerados no aspecto mais dramático de sua condição, a falta de alimento. Paralelamente, os «saciados» são os ricos que em sua prosperidade podem satisfazer não só a necessidade, mas também a vontade ao comer. É o próprio Jesus quem se preocupou em explicar quem são os saciados e quem são os que têm fome. E o fez com a parábola do rico e Lázaro (Lc 16, 19-31). Também esta considera pobreza e riqueza sob a perspectiva da falta ou superabundância de alimento: o rico «celebra todos os dias esplêndidas festas»; o pobre «desejava fartar-se do que caia da mesa do rico». A parábola, contudo, não explica só quem são os famintos e quem são os saciados, mas também, e sobretudo, por quê os primeiros são declarados bem-aventurados e os segundos desventurados: «Um dia o pobre morreu e foi levado pelos anjos ao seio de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado... no inferno entre tormentos». A riqueza e a saciedade tendem a encerrar o homem em um horizonte terreno porque «onde estiver teu tesouro, ali estará também teu coração» (Lc 12, 34); agravam o coração com a dissipação e a embriaguez, sufocando a semente da palavra (cf. Lc 21, 34); fazem o rico esquecer que na noite seguinte poderia pedir-lhe contas de sua vida (Lc 16, 19-31); tornam a entrada no Reino «mais difícil que para um camelo passar pelo buraco de uma agulha» (Lc 18, 25). O rico e os demais ricos do evangelho não são condenados pelo simples fato de serem ricos, mas pelo uso que fazem, ou não, de sua riqueza. Na parábola do rico, Jesus dá a entender que teria, para o rico, um caminho de saída, o de lembrar-se de Lázaro à sua porta e compartilhar com ele sua opulenta comida. O remédio, em outras palavras, é tornar-se «amigos dos pobres com as riquezas» (Lc 16, 9); o administrador infiel é elogiado por ter feito isso, ainda que em um contexto errado (Lc 16, 18). Mas a saciedade confunde o espírito e torna extremamente difícil ir por esta via; a história de Zaqueu mostra como é possível, mas também quão raro é. Daí o porquê do «ai» dirigido aos ricos e aos saciados; um «ai!», ao contrário, que é mais um «atenção!» que um «malditos!». 3.Aos famintos cumulou de bens Desde este ponto de vista, o melhor comentário à bem-aventurança dos pobres e dos que têm fome é o que diz Maria no Magnificat. «Ele realiza proezas com seu braço: dispersa os soberbos de coração, derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias.» (Lc 1, 51-53). Com uma série de poderosos verbos, Maria descreve uma mudança radical de partes entre os homens: «Derrubou -- exaltou; saciou - despediu sem nada». Algo, portanto, já sucedido ou que sucede habitualmente na ação de Deus. Contemplando a história, não parece que tenha havido uma revolução social pela qual os ricos, de um dia para o outro, tenham empobrecido e os famintos tenham sido saciados de alimento. Se, portanto, o que se esperava era uma mudança social e visível, houve um desmentido total por parte da história. A transformação aconteceu, mas na fé! O reino de Deus se manifestou e isso provocou uma silenciosa, mas radical revolução. O rico aparece como um homem que economizou uma ingente soma de dinheiro; à noite houve um golpe de estado com uma desvalorização de 100%; de manhã o rico se levanta, mas não sabe que é um pobre miserável. Os pobres e os famintos, pelo contrário, estão em vantagem, porque estão mais dispostos a acolher a nova realidade, não temem a mudança; têm o coração preparado. São Tiago, dirigindo-se aos ricos, dizia: «Chorai e dai alaridos pelas desgraças que estão para cair sobre vós. Vossa riqueza está podre» (Tiago 5, 1-2). Também aqui, nada testifica que em tempos de São Tiago os bens dos ricos apodreceram nas fazendas. O apóstolo quer dizer que ocorreu algo que os fez perder todo valor real; revelou-se uma nova riqueza. «Deus -- escreve também São Tiago -- escolheu os pobres segundo o mundo como ricos na fé e herdeiros do Reino» (ST 2, 5). Mais que «um convite a derrubar as potestades de seus tronos para exaltar os humildes», como às vezes se escreveu, o Magnificat é uma saudável advertência dirigida aos ricos e aos poderosos acerca do tremendo perigo que correm, exatamente como o «ai» de Jesus e a parábola do rico. 4.Uma parábola atual Uma reflexão sobre a bem-aventurança dos que têm fome e dos saciados não pode contentarse com explicar seu significado exegético; deve ajudar-nos a ler com olhos evangélicos a situação em marcha a nosso redor e a atuar nela no sentido indicado pela bem-aventurança. A parábola do rico e do pobre Lázaro se repete hoje, entre nós, em escala mundial. Ambos personagens inclusive representam os dois hemisférios: o rico, o hemisfério norte (Europa ocidental, América, Japão); o pobre Lázaro é, com poucas exceções, o hemisfério sul. Dois personagens, dois mundos: o primeiro mundo e o «terceiro mundo». Dois mundos de desigual tamanho: o que chamamos «terceiro mundo» representa na realidade «dois terços do mundo» (está se afirmando o uso de chamá-lo precisamente assim: não «terceiro mundo», third world, mas «dois terços do mundo», two-third world). Há quem comparou a terra a uma astronave em vôo pelo cosmos, na qual um dos três astronautas a bordo consome 85% dos recursos presentes e briga por ter também os 15% restantes. O desperdício é habitual nos países ricos. Há anos, uma pesquisa realizada pelo Ministério de Agricultura americano calculou que, de 161 bilhões de quilos de produtos alimentares, 43 bilhões, isto é, cerca da quarta parte, acabam no lixo. Deste alimento jogado fora, se poderiam recuperar facilmente, se quisessem, cerca de 2 bilhões de quilos, uma quantidade suficiente para alimentar durante um ano quatro milhões de pessoas. O maior pecado contra os pobres e os famintos é talvez a indiferença, fingir não ver, «dar meia volta» (cf. Lc 10, 31). Ignorar as imensas multidões de mendigos, sem teto, sem cuidados médicos e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor -- escrevia João Paulo II na encíclica «Sollicitudo rei socialis» -- «significaria parecer-nos ao rico que fingia não conhecer o mendigo Lázaro, prostrado à sua porta» [3]. Tendemos a pôr, entre nós e os pobres, um vidro duplo. O efeito do vidro duplo, hoje tão aproveitado, é que impede a passagem do frio e do barulho, dilui tudo, faz chegar tudo amortecido, atenuado. E, de fato, vemos os pobres mover-se, agitar-se, gritar na tela da televisão, nas páginas dos jornais e das revistas missionárias, mas seu grito nos chega como de muito longe. Não chega ao coração, ou chega a ele só por um momento. A primeira coisa que se deve fazer com relação aos pobres é, portanto, romper o «vidro duplo», superar a indiferença, a insensibilidade, abandonar as barreiras e deixar-se invadir por uma sã inquietude por causa da espantosa miséria que há no mundo. Estamos chamados a compartilhar o suspiro de Cristo: «Sinto compaixão por esta gente que não tem nada que comer»: mi sereor super turba (Cf. Mc 8, 2). Quando se tem ocasião de ver com os próprios olhos o que é a miséria e a fome, visitando as aldeias ou as periferias das grandes cidades em certos países africanos (aconteceu comigo há alguns meses em Ruanda), a compaixão deixa sem palavras. Eliminar ou reduzir o injusto e escandaloso abismo que existe entre os saciados e os famintos do mundo é a tarefa mais urgente e mais ingente que a humanidade carregou consigo sem resolver ao entrar no novo milênio. Uma tarefa na qual sobretudo as religiões deverão distinguir-se e encontrar-se unidas muito além de toda rivalidade. Uma empresa desta envergadura não pode ser promovida por nenhum líder ou poder político, condicionado como está pelos interesses da própria nação e freqüentemente por poderes econômicos fortes. O Santo Padre Bento XVI deu exemplo disso com o forte chamado, dirigido em janeiro passado, ao corpo diplomático acreditado ante a Santa Sé, como fez também no ano passado na mesma ocasião: «Entre as questões essenciais, como não pensar nos milhões de pessoas, especialmente mulheres e crianças, que carecem de água, comida e moradia? O escândalo da fome, que tende a agravar-se, é inaceitável em um mundo que dispõe de bens, de conhecimentos e de meios para saná-la» [4]. 5. «Bem-aventurados os que têm fome de justiça» Dizia a princípio que as duas versões das bem-aventuranças dos famintos, a de Lucas e a de Mateus, não se apresentam alternativamente, mas que se integram reciprocamente. Mateus não fala de fome material, mas de fome e sede de «justiça». Destas palavras se deram duas interpretações fundamentais. Uma, em linha com a teologia luterana, interpreta a bem-aventurança de Mateus à luz do que dirá São Paulo sobre a justificação mediante a fé. Ter fome e sede de justiça significa tomar consciência da própria necessidade de justiça e da incapacidade para procurá-la apenas com as obras e, portanto, esperá-la humildemente de Deus. A outra interpretação vê na justiça «não a que Deus mesmo põe por obra ou a que Ele concede, mas a que Ele reclama do homem» [5], em outras palavras, as obras de justiça. À luz desta interpretação, a mais comum e exegeticamente mais fundada, a fome material de Lucas e a fome espiritual de Mateus já não carecem de relação entre si. Estar do lado dos famintos e dos pobres entra nas obras de justiça e será, mais ainda, segundo Mateus, o critério segundo o qual ocorrerá ao final a separação entre justos e injustos (Cf. Mt 25). Toda a justiça que Deus pede do homem se resume no duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo (Cf. Mt 22, 40). É o amor ao próximo portanto o que deve impulsionar os que têm fome de justiça a preocupar-se dos famintos de pão. E este é o grande princípio através do qual o Evangelho atua no âmbito social. Quanto a este ponto, havia-o percebido adequadamente a teologia liberal: «Em nenhuma parte do Evangelho – escreve um de seus mais ilustres representantes, Adolph Von Harnack – encontramos que ensine a nos mantermos indiferentes perante os irmãos. A indiferença evangélica (não se preocupar com o alimento, as vestes, o amanhã) expressa mais que tudo o que cada alma deve sentir ante o mundo, seus bens e suas lisonjas. Quando se trata, em contrapartida, do próximo, o Evangelho não quer nem ouvir falar de indiferença, mas que impõe amor e piedade. Ademais, o Evangelho considera absolutamente inseparáveis as necessidades espirituais e temporais dos irmãos» [6]. O Evangelho não incita os famintos a se fazerem sozinhos na justiça, ao se lançarem, também porque nos tempos de Jesus – diferentemente de hoje – aqueles não tinham instrumento algum, nem teórico nem prático, para fazê-lo; não lhe pede o inútil sacrifício de ir a deixar-se matar detrás de algum agitador ou qualquer Espártaco local. Jesus atua sobre a parte forte, não sobre a parte débil; afronta, Ele, a ira e o sarcasmo dos ricos, não deixa que sejam as vítimas as que o façam. Buscar a todo custo, no Evangelho, modelos ou convites explícitos dirigidos aos pobres e aos famintos para que se empreguem em mudar sozinhos a própria situação é vão e anacrônico, e faz perder de vista a verdadeira contribuição que ele pode dar a sua causa. Neste caso tem razão Rudolph Bultmann quando escreve que «o cristianismo ignora qualquer programa de transformação do mundo e não tem propostas a apresentar para a reforma das condições políticas e sociais» [7], se bem que sua afirmação necessitaria de alguma distinção. O modo das bem-aventuranças não é o único para enfrentar o problema da riqueza e pobreza, fome e saciedade; há outros, feitos possíveis pelo progresso da consciência social, aos quais justamente os cristãos dão seu apoio e a Igreja, com sua Doutrina Social, seu próprio discernimento. Existem planos e aspectos da realidade que não se percebem à simples vista, mas apenas com a ajuda de uma luz especial, raios infravermelhos ou ultravioletas. Usa-se amplamente nas fotografias de satélite. A imagem obtida com esta luz é muito diferente e surpreendente para quem está acostumado a ver o mesmo panorama à luz natural. As bem-aventuranças são uma espécie de raios infravermelhos: nos oferecem uma imagem diferente da realidade, a única verdadeira, porque mostra o que ao final permanecerá, quando tiver passado «o esquema deste mundo». 6. Eucaristia e partilha Jesus nos deixou uma antítese perfeita do banquete do rico epulão, a Eucaristia. Esta é a celebração diária do grande banquete ao que o Senhor convida os «pobres, os estropiados, os cegos e os cochos» (Lc 14, 15-24), isto é, todos os pobres Lázaros que há ao redor. Nela se realiza a perfeita «comensalidade»: a mesma comida e a mesma bebida, e na mesma quantidade, para todos, para quem preside como para o último que chegou à comunidade, para o riquíssimo como para o paupérrimo. O vínculo entre o pão material e o pão espiritual era bem visível nos primeiros tempos da Igreja, quando a ceia do Senhor, chamada agape, tinha lugar no contexto de uma refeição fraterna, na que se partilhava tanto o pão comum como o eucarístico. Aos coríntios que haviam errado sobre este ponto, São Paulo escreveu: «Quando, pois, vos reunis, o que fazeis não é comer a Ceia do Senhor; cada um se apressa por comer a própria ceia; e, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado» (1 Cor 11, 20-22). Acusação gravíssima; é como dizer: a vossa já não é uma Eucaristia! Hoje a Eucaristia já não se celebra no contexto de uma refeição comum, mas o contraste entre quem tem o supérfluo e quem não tem o necessário adquiriu dimensões planetárias. Se projetamos a situação descrita por Paulo da Igreja local de Corinto à Igreja universal, nos damos conta com pesar de que é o que – objetivamente, se bem que nem sempre com culpa – sucede também na atualidade. Entre milhões de cristãos que, nos distintos continentes, participam da Missa dominical, há alguns que, de regresso a casa, têm à disposição todo bem, e outros que não têm nada que dar de comer a seus próprios filhos. A recente exortação pós-sinodal sobre a Eucaristia recorda com força: «O alimento da verdade nos impulsiona a denunciar as situações indignas do homem, nas que, por causa da injustiça e da exploração, morre-se por falta de alimento, e nos dá nova força e ânimo para trabalhar sem descanso na construção da civilização do amor» [8]. O 0,8% [porcentagem de destinação tributária do Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas na Itália. Ndt.] melhor gasto é o que se destina à Igreja com este objetivo, sustentando as diversas «Caritas» nacionais e diocesanas, as mesas dos pobres, iniciativas para a alimentação nos países em vias de desenvolvimento. Um dos sinais de vitalidade de nossas comunidades religiosas tradicionais são as mesas dos pobres que existem em quase todas as cidades, nas que se distribuem milhares de refeições ao dia em um clima de respeito e de acolhida. É uma gota em um oceano, mas também o oceano, dizia Madre Teresa de Calcutá, está cheio de pequenas gotas. Gostaria de concluir com a oração que rezamos diariamente, antes das refeições, em minha comunidade: «Bendizei, Senhor, este alimento que, por tua bondade vamos receber, ajudainos a prover dele também os que não o têm, e fazei de nós partícipes um dia de tua mesa celestial. Por Cristo Nosso Senhor». Traduzido por Zenit


[1] D. H. Dodd, Storia ed Evangelo, Brescia 1976, p.23.

[2] Cf. J. Dupont, Le beatitudini, 2 Voll. Edizioni Paoline 1992 (ed. originale Parigi 1969). [3] Giovanni Paolo II, Enc. "Sollicitudo rei socialis", n. 42. [4] Discours du pape Benoît XVI pour les vœux au corps diplomatique accrédité près le saintsiège, Lundi 8 janvier 2007. [5] Cf. Dupont, II, pp. 554 ss. [6] A. von Harnack, Il cristianesimo e la società, Mendrisio 1911, pp. 12 ss. [7] R. Bultmann, Il cristianesimo primitivo, Milano 1964, p. 203 (Titolo orig. Das Urchristentum im Rahmen der antiken Religionen). [8] «Sacramentum caritatis» , n.90. ZP07032322 Pregador do Papa: «Bem-aventurados os misericordiosos» Quarta pregação de Quaresma ao Papa e à Cúria CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 30 de março de 2007 (ZENIT.org).- «Bemaventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia -- As bem-aventuranças evangélicas» é o tema da quarta e última pregação de Quaresma que, ante Bento XVI e a Cúria, pronunciou nesta sexta-feira o Pe. Raniero Cantalamessa O.F.M. Cap., pregador da Casa Pontifícia. Oferecemos integramente o texto da pregação. As três anteriores foram publicadas em Zenit, nos dias 9, 16 e 23 de março.

Pe. Raniero Cantalamessa «BEM-AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS, PORQUE ELES ALCANÇARÃO MISERICÓRDIA» Quarta Pregação de Quaresma à Casa Pontifícia 1.A misericórdia de Cristo A bem-aventurança sobre a qual desejamos refletir nesta última meditação quaresmal é a quinta, segundo a ordem de Mateus: «Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia». Partindo, como sempre, da afirmação de que as bem-aventuranças são o auto-retrato de Cristo, também desta vez nos propomos imediatamente a pergunta: como Jesus viveu a misericórdia? O que a sua vida nos diz sobre esta bem-aventurança? Na Bíblia, a palavra misericórdia se apresenta com dois significados fundamentais: o primeiro indica a atitude da parte mais forte (na aliança, Deus mesmo) para com a parte mais fraca e se expressa habitualmente no perdão das infidelidades e das culpas; o segundo indica a atitude para com a necessidade do outro e se expressa nas chamadas obras de misericórdia. (Neste segundo sentido, o termo se repete com freqüência no livro de Tobias). Existe, por assim dizer, uma misericórdia do coração e uma misericórdia das mãos. Na vida de Jesus resplandecem as duas formas. Ele reflete a misericórdia de Deus para com os pecadores, mas se comove também ante todos os sofrimentos e necessidades humanas, intervém para dar de comer à multidão, curar os enfermos, libertar os oprimidos. Dele o evangelista diz: «Tomou sobre si nossas fraquezas e carregou nossas enfermidades» (Mt 8, 17). Em nossa bem-aventurança, o sentido que prevalece é certamente o primeiro, o do perdão e da remissão dos pecados. Nós o deduzimos pela correspondência entre a bem-aventurança e sua recompensa: «Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia», entende-se que é ante Deus, que perdoará seus pecados. A frase: «Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso», se explica imediatamente com «perdoai e sereis perdoados» (Lc 6, 36-37). É conhecida a acolhida que Jesus reserva aos pecadores no Evangelho e a oposição que isso lhe causou por parte dos defensores da lei, que o acusavam de ser «um comilão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores» (Lc 7, 34). Uma das falas historicamente melhor testemunhadas de Jesus é: «Não vim para chamar os justos, mas os pecadores» (Mc 2, 17). Sentindo-se por Ele acolhidos e não julgados, os pecadores o escutavam com agrado. Mas quem eram os pecadores? A quem se indicava com este termo? Em sintonia com a tendência atualmente difundida de desculpar totalmente os fariseus do Evangelho, atribuindo a imagem negativa a forçamentos posteriores dos evangelistas, alguém sustentou que com este termo se compreendem «os transgressores deliberados e impenitentes da lei» [1]; em outras palavras, os delinqüentes comuns e os fora da lei do tempo. Se assim fosse, os adversários de Jesus efetivamente tinham razão em escandalizar-se e considerá-lo como uma pessoa irresponsável e socialmente perigosa. Seria como se hoje um sacerdote freqüentasse habitualmente mafiosos e criminosos em geral, e aceitasse seus convites pra almoçar com o pretexto de falar-lhes de Deus. Na verdade, as coisas não são assim. Os fariseus tinham uma visão própria da lei e do que é conforme ou contrário a ela, e consideravam reprováveis todos aqueles que não eram conformes a sua práxis. Jesus não nega que exista o pecado e que haja pecadores; não justifica as fraudes de Zaqueu ou o adultério de uma mulher. O fato de chamá-los de «doentes» o demonstra. O que Jesus condena é estabelecer por si mesmo qual é a verdadeira justiça e considerar todos os demais como «ladrões, injustos e adúlteros», negando-lhes até a possibilidade de mudar. É significativo o modo em que Lucas introduz a parábola do fariseu e do publicano: «Disse então, a alguns que se tinham por justos e desprezavam os demais, esta parábola» (Lc 18, 9). Jesus era mais severo para quem condenava os pecadores, que para com os próprios pecadores [2]. 2.Um Deus que se alegra em ter misericórdia Jesus justifica sua conduta para com os pecadores dizendo que assim atua o Pai celestial. A seus detratores recorda a palavra de Deus nos profetas: «Misericórdia quero, e não sacrifícios» (Mt 9, 13). A misericórdia para com a infidelidade do povo, a hesed, é o traço mais sobressalente do Deus da Aliança e enche a Bíblia de um extremo a outro. Um salmo o repete em forma de ladainha, explicando com ela todos os eventos da história de Israel: «Porque eterna é sua misericórdia» (Sal 136). Ser misericordiosos se apresenta assim como um aspecto essencial do ser «à imagem e semelhança de Deus». «Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36) é uma paráfrase do famoso: «Sede santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2). Mas o mais surpreendente acerca da misericórdia de Deus, é que Ele experimenta alegria em ter misericórdia. Jesus conclui a parábola da ovelha perdida dizendo: «Haverá mais alegria no céu por um só pecador que se converta que por noventa e nove justos que não tenham necessidade de conversão» (Lc 15, 7). A mulher que encontrou o dracma perdido grita a suas amigas: «Alegrai-vos comigo». Na parábola do filho pródigo, também a alegria transborda e se converte em festa, banquete. Não se trata de um tema isolado, mas profundamente enraizado na Bíblia. Em Ezequiel, Deus diz: «Eu não me alegro na morte do malvado, mas (me alegro!) em que o malvado se converta de sua conduta e viva» (Ez 33, 11). Miquéias diz que Deus «se alegra em ter misericórdia» (Mi 7, 18), isto é, experimenta gozo ao fazê-lo. Mas por que -- surge a questão -- uma ovelha deve contar, na balança, como todas as demais juntas, e importar mais, precisamente porque escapou e criou mais problemas? Eu encontrei uma explicação convincente no poeta Charles Péguy. Aquela ovelha -- como o filho menor --, ao extraviar-se, fez o coração de Deus tremer. Deus temeu perdê-la para sempre, ver-se obrigado a condená-la e privar-se dela eternamente. Este medo fez brotar a esperança em Deus, e a esperança, uma vez realizada, provocou a alegria e a festa. «Toda penitência do homem é a coroação de uma esperança de Deus» [3]. É uma linguagem figurada, como tudo que falamos de Deus, mas contém uma verdade. Nos homens, a condição que torna a esperança possível é o fato de que não conhecemos o futuro, e por isso o esperamos. Em Deus, que conhece o futuro, a condição é que não quer (e, em certo sentido, não pode) realizar o que deseja sem nossa permissão. A liberdade humana explica a existência da esperança em Deus. O que dizer então das noventa e nove ovelhas bem comportadas e do filho maior? Não existe nenhuma alegria no céu por eles? Vale a pena viver toda a vida como bons cristãos? Recordemos o que responde o Pai ao filho maior: «Filho, tu sempre estás comigo e tudo o que é meu é teu» (Lc 15, 31). O erro do filho maior está em considerar que ter ficado sempre em casa e ter compartilhado tudo com o Pai não é um privilégio imenso, mas um mérito; ele se comporta como mercenário, mais que como filho (isso deveria ser uma alerta para todos nós, que, por estado de vida, nos encontramos na mesma situação que o filho maior!). Sobre este ponto, a realidade foi melhor que a própria parábola. Na verdade, o filho mais velho -- o Primogênito do Pai, o Verbo --, não ficou na casa paterna; Ele partiu para «uma região distante» para buscar o filho menor, isto é, a humanidade caída; foi Ele quem lhe reconduziu a casa, quem lhe procurou vestes e lhe preparou um banquete para participar, em cada Eucaristia. Em uma novela sua, Dostoievski descreve uma cena que tem todo o ambiente de uma imagem real. Uma mulher do povo tem em seus braços a sua criança de poucas semanas, quando esta - pela primeira vez, diz ela -- lhe sorri. Compungida, ela faz o sinal da cruz e a quem lhe pergunta o por que desse gesto, ela responde: «Assim como uma mãe é feliz quando nota o primeiro sorriso de seu filho, assim se alegra Deus cada vez que um pecador se ajoelha e lhe dirige uma oração com todo o coração» [4]. 3.Nossa misericórdia, causa ou efeito da misericórdia de Deus? --Jesus diz «Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia»; e no Pai Nosso nos faz orar: «Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido». Diz também: «Se não perdoais os homens, tampouco vosso Pai perdoará vossas ofensas» (Mt 6, 5). Estas frases poderiam levar a pensar que a misericórdia de Deus para conosco é um efeito de nossa misericórdia para com os outros, e que é proporcional a ela. Se assim fosse, no entanto, estaria completamente invertida a relação entre graça e boas obras, e se destruiria o caráter de pura gratuidade da misericórdia divina solenemente proclamado por Deus ante Moisés: «Realizarei graça a quem quiser fazer graça e terei misericórdia de quem quiser ter misericórdia» (Ex 33, 19). A parábola dos dois servos (Mt 18, 23 ss) é a chave para interpretar corretamente a relação. Nela se vê como é o senhor que, em primeiro lugar, sem condições, perdoa uma dívida enorme ao servo (dez mil talentos!) e que é precisamente sua generosidade que deveria ter impulsionado ao serviço de ter piedade de quem lhe devia a mísera soma de cem denários. Devemos, então, ter misericórdia porque recebemos misericórdia, não para receber misericórdia; mas é preciso ter misericórdia, senão a misericórdia de Deus não terá efeito em nós e nos será retirada, como o senhor da parábola a retirou ao servo impiedoso. A graça «previne» sempre e é ela a que cria o dever: «Como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós», escreve São Paulo aos Colossenses (Col 3, 13). Se, na bem-aventurança, a misericórdia de Deus para conosco parece ter o efeito de nossa misericórdia para com os irmãos, é porque Jesus se situa aqui na perspectiva do juízo final («alcançarão misericórdia», no futuro!». «Terá um juízo sem misericórdia aquele que não teve misericórdia; mas a misericórdia se sente superior ao juízo» (Tiago 2, 13). 4.Experimentar a misericórdia divina Se a misericórdia divina está no início de tudo e é ela a que exige e torna possível a misericórdia de uns para com os outros, então o mais importante para nós é ter uma experiência renovada da misericórdia de Deus. Nós estamos nos aproximando da Páscoa e esta é a experiência pascal por excelência. O escritor Franz Kafka tem uma novela titulada «O Processo». Nela, fala de um homem que um dia, sem que ninguém saiba por que, é declarado em detenção, ainda que continua com sua vida acostumada e seu trabalho de modesto empregado. Começa uma extenuante busca para conhecer os motivos, o tribunal, as imputações, os procedimentos. Mas ninguém sabe dizer-lhe nada; só que existe verdadeiramente um processo contra ele. Até que um dia chegam para levá-lo à execução da sentença. No curso do sucesso se vai conhecendo que haveria, para este homem, três possibilidades: a absolvição autêntica, a absolvição aparente e a prorrogação. A absolvição aparente e a prorrogação, contudo não resolveriam nada; serviriam só para manter o imputado em uma incerteza mortal por toda a vida. Na absolvição autêntica, ao contrário, «as atas processuais devem ser completamente suprimidas, desaparecem totalmente do processo, não só a acusação, mas também o processo e até a sentença se destroem, tudo é destruído». Mas destas absolvições autênticas, tão suspiradas, não se sabe da existência de nenhuma; há só rumores ao respeito, nada mais que «belíssimas lendas». A obra conclui assim como todas as do autor: algo que se entrevê de longe, se persegue com afã como um pesadelo noturno, mas sem possibilidade alguma de alcançá-lo [5]. Na Páscoa, a liturgia da Igreja nos transmite a incrível notícia de que a absolvição autêntica existe para o homem, não é só uma lenda, algo belíssimo, mas inalcançável. Jesus destruiu «a acusação que havia contra nós; e a suprimiu pregando-a na cruz» (Col 2, 14). Destruiu tudo. «Nenhuma condenação pesa já para os que estão em Cristo Jesus» (Rm 8, 1). Nenhuma condenação! De nenhum tipo! Para os que crêem em Cristo Jesus! Em Jerusalém havia uma piscina milagrosa e o primeiro que se jogava dentro, quando as águas se agitavam, ficava curado (v. Jo 5, 2 ss). No entanto a realidade, também aqui, é infinitamente maior que o símbolo. Da cruz de Cristo brotou a fonte de água e sangue, e não um só, mas todos os que se ajoelham dentro saem curados. Depois do batismo, esta piscina milagrosa é o sacramento da Reconciliação, e esta última meditação desejaria servir precisamente como preparação para uma boa confissão pascal. Uma confissão «fora de série», ou seja, diferente das acostumadas, na qual permitamos de verdade ao Paráclito «convencer-nos do pecado». Poderíamos tomar como espelho as bemaventuranças meditadas na Quaresma, começando agora e repetindo juntos a expressão tão antiga e tão bela: Kyrie eleison! Senhor, tende piedade de nós! «Bem-aventurados os puros de coração»: Senhor, reconheço toda a impureza e a hipocrisia que há em meu coração, talvez, a dupla vida que levo ante Vós e ante os outros. Kyrie eleison! «Bem-aventurados os mansos»: Senhor, eu vos peço perdão pela impaciência e pela violência oculta que existe dentro de mim, pelos juízos temerários, o sofrimento que provoquei às pessoas a meu redor... Kyrie eleison! «Bem-aventurados os que têm fome»: Senhor, perdoai minha indiferença para com os pobres e os famintos, minha contínua busca de comodidade, meu estilo de vida aburguesado... Kyrie eleison! «Bem-aventurados os misericordiosos»: Senhor, freqüentemente pedi e recebi rapidamente a vossa misericórdia, sem dar-me conta do preço que ela vos custou! Com freqüência fui o servo perdoado que não sabe perdoar. Kyrie eleison! Há uma graça especial quando não é só o indivíduo, mas toda a comunidade a que se põe ante Deus nesta atitude penitencial. De uma experiência profunda da misericórdia de Deus se sai renovados e cheios de esperança: «Deus, rico de misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, estando nós mortos por causa de nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo» (Ef 2, 4-5). 5.Uma Igreja «rica em misericórdia» Em sua mensagem para a Quaresma deste ano, o Santo Padre escreve: «Que a Quaresma seja para todos os cristãos uma experiência renovada do amor de Deus, que nos foi dado em Cristo, amor que também nós cada dia devemos ‘voltar a dar’ ao próximo». Assim é a misericórdia, a forma que o amor de Deus toma ante o homem pecador: após ter tido esta experiência, devemos, por nossa vez, mostrá-la para com os irmãos. Isso tanto no âmbito da comunidade eclesial como no âmbito pessoal. Pregando os exercícios espirituais à Cúria Romana desde esta mesma mesa, no Ano Jubilar de 2000, o cardeal François Xavier Nguyên Van Thuân, aludindo ao rito de abertura da Porta Santa, disse em uma meditação: «Sonho comuma Igreja que seja uma ‘Porta Santa’, aberta, que abrace todos, que esteja cheia de compaixão e compreensão por todos os sofrimentos da humanidade, estendida para consolá-la» [6]. A Igreja do Deus «rico em misericórdia», dives in misericórdia, não pode não ser ela mesma dives in misericórdia. Da atitude de Cristo para com os pecadores, antes examinada, deduzimos alguns critérios. Ele não torna o pecado trivial, porém, encontra a maneira de não afastar jamais os pecadores, mas de atraí-los para si. Não vê neles só o que são, mas aquilo em que podem se converter se são tocados pela misericórdia divina no profundo de sua miséria e desespero. Não espera que acudam a Ele; freqüentemente é Ele quem vai buscá-los. Atualmente, os exegetas estão bastante de acordo em admitir que Jesus não tinha uma atitude hostil para com a lei mosaica, que Ele mesmo observava escrupulosamente. O que o situava em oposição à elite religiosa de seu tempo era uma certa maneira rígida, e às vezes inumana, em que ela interpretava a lei. «O sábado foi feito para o homem -- dizia --, e não o homem para o sábado» (Mc 2, 27), e o que diz do descanso sabático, uma das leis mais sagradas em Israel, vale para qualquer outra lei. Jesus é firme e rigoroso nos princípios, mas sabe quando um princípio deve dar passagem a um princípio superior, que é o da misericórdia de Deus e o da salvação do homem. Como estes critérios que se desprendem da atitude de Cristo podem aplicar-se concretamente aos problemas novos que se apresentam na sociedade, depende da paciente busca e, em definitivo, do discernimento do Magistério. Também na vida da Igreja, como na de Jesus, devem resplandecer juntas a misericórdia das mãos e a do coração, tanto as obras de misericórdia como as «entranhas de misericórdia». 6.«Revesti-vos de entranhas de misericórdia» A última palavra a propósito de cada bem-aventurança deve ser sempre a que afeta pessoalmente e impulsiona cada um de nós à conversão e à prática. São Paulo exortava os Colossenses com estas palavras: «Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão, paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-os mutuamente, se alguém tem queixa contra outro. Como o Senhor vos perdoou, perdoai-vos também vós.» (Col, 3, 12-13). «Nós, os seres humanos -- dizia Santo Agostinho -- somos como vasos de argila, que só com tocá-los, quebram (lútea vasa quae faciunt invicem angustias)» [7]. Não se pode viver em harmonia, na família e em qualquer outro tipo de comunidade, sem a prática do perdão e da misericórdia recíproca. Misericórdia é uma palavra composta por misereo e cor; significa comover-se no próprio coração pelo sofrimento ou o erro do irmão. É assim que Deus explica sua misericórdia frente aos desvios do povo: «Meu coração está em mim comovido, e por sua vez se estremecem minhas entranhas» (Os 11, 8). Trata-se de reagir com o perdão e, até onde é possível, com a justificação, não com a condenação. Quando se trata de nós, vale o ditado: «Quem se desculpa, Deus o acusa; quem se acusa, Deus o desculpa»; quando se trata dos demais, ocorre o contrário: «Quem desculpa o irmão, Deus o desculpa; quem acusa o irmão, Deus o acusa». O perdão é para uma comunidade o que o óleo é para o motor. Se sairmos de carro sem uma gota de óleo no motor, em poucos quilômetros tudo se incendiará. Como o óleo, também o perdão resolve as fricções. Há um Salmo que canta o gozo de viver juntos como irmãos reconciliados, diz isso: «é como um óleo suave na cabeça», que desce pela barba de Aarão, até a orla de suas vestes (v. Sal 133). Nosso Aarão, nosso Sumo sacerdote, diriam os Padres da Igreja, é Cristo; a misericórdia e o perdão são o óleo que desce dessa «cabeça» elevada na cruz e se estende ao longo do corpo da Igreja até a orla de suas vestes, até aqueles que vivem em suas margens. Onde se vive assim, no perdão e na misericórdia recíproca, «o Senhor dá sua bênção e a vida para sempre». Procuremos identificar, em nossas relações com os outros, aquela que pareça mais necessitada de receber o óleo da misericórdia e da reconciliação, e a invoquemos silenciosamente, com abundância, pela Páscoa. Unamo-nos a nossos irmãos ortodoxos, que na Páscoa não se cansam de cantar: «É o dia da Ressurreição! Irradiamos gozo pela festa, Abracemo-nos todos. Digamos irmão também a quem nos odeia, Perdoemos tudo por amor à Ressurreição»[8]. [Tradução realizada por Zenit]


[1] Cf. E.P. Sanders, Jesus and Judaism, London 1985, p. 385 (Trad. ital. Gesù il giudaismo,

Genova 1992). [2] Cf. J.D.G. Dunn, Gli albori del cristianesimo, I, 2, Bréscia 2006, pp. 567-572. [3] Ch. Péguy, Il portico del mistero Della seconda virtù, in Oeuvres poétiques complètes, Gallimard, Parigi 1975, pp. 571 ss. [4] F. Dostoevskij, L'Idiota, Milano 1983, p. 272. [5] F. Kafka, Il processo, Garzanti, Milano 1993, pp. 129 ss. [6] F.X. Van Thuan, Testimoni della speranza, Città Nuova, Roma 2000, p.58. [7] S. Agostino, Sermoni, 69, 1 (PL 38, 440) [8] Stichirà di Pasqua, testi citati in G. GHARIB, Le icone festive della Chiesa Ortodossa, Milano 1985, pp. 174-182. ZP07033021 Maior pecado contra pobres é indiferença, adverte pregador do Papa Em sua terceira pregação da Quaresma ao Santo Padre e à Cúria CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 23 de março de 2007 (ZENIT.org).- Um alerta ante o pecado da indiferença para com os pobres e um chamado a reduzir o escandaloso abismo que os separa dos saciados foi lançado nesta sexta-feira pelo pregador da Casa Pontifícia ante o Papa e seus colaboradores da Cúria. Em sua terceira pregação da Quaresma, em torno das Bem-aventuranças Evangélicas, o Pe. Raniero Cantalamessa, O.F.M. Cap, abordou a aplicação prática que se refere aos pobres e famintos. E o fez integrando o que recolhem os evangelhos de Lucas e Mateus: «Bem-aventurados os que agora sentis fome, porque sereis saciados», o primeiro; e a do segundo, que fala dos que têm fome e sede de «justiça». Os que têm fome são os pobres «considerados no aspecto mais dramático de sua condição, a falta de alimento»; «paralelamente, os ‘saciados’ são os ricos que em sua prosperidade podem satisfazer não só a necessidade, mas também a vontade ao comer», apontou. Ressaltou a advertência evangélica com relação aos «ricos»: «não são condenados pelo simples fato de serem ricos, mas pelo uso que fazem, ou não, de sua riqueza». E mostrou a atualidade da parábola do rico e do pobre Lázaro, referindo-a a tudo que acontece, em escala mundial, entre o primeiro e o terceiro mundo. «O maior pecado contra os pobres e os famintos é talvez a indiferença», lamentou o pregador do Papa, recordando que «ignorar as imensas multidões de mendigos, sem teto, sem cuidados médicos e, sobretudo, sem esperança de um futuro melhor -- como escrevia João Paulo II na encíclica ‘Sollicitudo rei socialis’ -- significaria parecer-nos ao rico que fingia não conhecer o mendigo Lázaro, prostrado à sua porta». Por isso é preciso «abandonar as barreiras e deixar-se invadir por uma sã inquietude por causa da espantosa miséria que há no mundo» -- exortou --, a exemplo de Cristo, que suspirava de compaixão ante as carências da gente. «Eliminar ou reduzir o injusto e escandaloso abismo que existe entre os saciados e os famintos do mundo é a tarefa mais urgente e mais ingente que a humanidade carregou consigo sem resolver ao entrar no novo milênio», constatou. E é «uma tarefa na qual sobretudo as religiões deveriam distinguir-se e encontrar-se muito além de toda rivalidade», -- afirmou o pregador do Papa -- porque «uma empresa desta envergadura não pode ser promovida por nenhum líder ou poder político, condicionado como está pelos interesses da própria nação e freqüentemente por poderes econômicos fortes». Exemplo, a respeito disso, deu Bento XVI com seu «forte chamado» -- recordou o Pe. Cantalamessa -- de janeiro passado ao corpo diplomático acreditado ante a Santa Sé: «o escândalo da fome -- disse naquela ocasião o Santo Padre --, que tende a agravar-se, é inaceitável em um mundo que dispõe de bens, de conhecimentos e de meios para saná-lo». Somou a sua reflexão aos que «têm fome de justiça», pois «estar do lado dos famintos e dos pobres entra nas obras de justiça». «Toda a justiça que Deus pede do homem se resume no duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo -- afirmou o Pe. Cantalamessa. É o amor ao próximo, portanto, o que deve impulsionar os famintos de justiça a preocupar-se pelos famintos de pão. E este é o grande princípio através do qual o Evangelho atua no âmbito social.» «Jesus nos deixou uma antítese perfeita do banquete do rico, a Eucaristia», sublinhou: «nela se realiza a perfeita “comensalidade”», «a mesma comida e a mesma bebida, e na mesma quantidade, para todos». Mas advertiu o que acontece -- «objetivamente, ainda que nem sempre com culpa» -inclusive «entre milhões de cristãos que, nos diferentes continentes, participam da Missa dominical», pois «há alguns que, de ao voltar para casa, têm à disposição todo bem, e outros que não têm nada para dar de comer a seus próprios filhos». A recente exortação pós-sinodal de Bento XVI sobre a Eucaristia [«Sacramentum caritatis»] «recorda com força -- insistiu o pregador da Casa Pontifícia: o alimento da verdade nos impulsiona a denunciar as situações indignas do homem, nas quais por causa da injustiça e da exploração se morre por falta de comida, e nos dá nova força e ânimo para trabalhar sem descanso na construção da civilização do amor». ZP07032306 Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge em Nínive, perto de Mossul, no actual Iraque Discursos ascéticos, 1ª série, n.º 81 «Sede misericordiosos como misericordioso é vosso Pai» Não procures distinguir o homem digno do que não o é. Que a teus olhos todos os homens sejam iguais para os amares e os servires da mesma forma. Poderás assim levá-los a todos ao bem. Não partilhou o Senhor a mesa dos publicanos e das mulheres de má vida, sem afastar de Si os indignos? Do mesmo modo, concederás tu benefícios iguais e honras iguais ao infiel, ao assassino, tanto mais que também ele é teu irmão, pois participa da única natureza humana. Aqui está, meu filho, um mandamento que te dou: que a misericórdia pese sempre mais na tua balança, até ao momento em que sentires em ti a misericórdia que Deus tem para com o Mundo. Quando percebe o homem que atingiu a pureza do coração? Quando considerar que todos os homens são bons, e nem um lhe apareça impuro e maculado. Então, em verdade ele é puro de coração (Mt 5,8). O que é esta pureza? Em poucas palavras, é a misericórdia do coração para com o universo inteiro. E o que é a misericórdia do coração? É a chama que o inflama por toda a criação, pelos homens, pelos pássaros, pelos animais, pelos demónios, por todo o ser criado. Quando o homem pensa neles, quando os olha, sente os olhos encherem-se das lágrimas de uma profunda, de uma intensa piedade que lhe aperta o coração, e que o torna incapaz de ouvir, de ver, de tolerar o erro ou a aflição, mesmo ínfimos, sofridos pelas criaturas. É por isso que na oração acompanhada por lágrimas devemos sempre pedir tanto pelos seres desprovidos de fala como pelos inimigos da verdade, como ainda pelos que a maltratam, para que sejam salvos e purificados. No coração do homem nasce uma compaixão imensa e sem limites, à imagem de Deus. Evangelho segundo S. Mateus 5,13-19. – cf.par. Mc 4,21; 9;50; Lc 8,16; 11,33; 14,34-35 «Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se corromper, com que se há de salgar? Não serve para mais nada, senão para ser lançado fora e ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende a candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas sim em cima do candelabro, e assim alumia a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai, que está no Céu.» «Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino do Céu. Mas aquele que os praticar e ensinar, esse será grande no Reino do Céu. S. João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia e depois de Constantinopla, doutor da Igreja Sermões sobre S. Mateus, nº 15 O sal da terra "Vós sois o sal da terra", diz o Salvador; mostra-lhes assim como são necessários todos os preceitos que acaba de enunciar. "A minha palavra, diz-lhes, não vos será confiada apenas para a vossa própria vida, mas para o mundo inteiro. Não vos envio a duas cidades, a dez ou a vinte, nem a um só povo, como outrora os profetas. Envio-vos à terra, ao mar, a toda a criação (Mc 16,15), a toda a parte onde o mal abunda". Na verdade, ao dizer-lhes: "Vós sois o sal da terra", indicou-lhes que toda a natureza humana está insossa, corrompida pelo pecado; é pelo seu ministério que a graça do Espírito Santo regenerará e conservará o mundo. É por isso que lhes ensina as virtudes das BemAventuranças, as que são mais necessárias, mas eficazes para eles, que se ocupam da multidão. Aquele que é manso, modesto, misericordioso, justo, não encerra em si mesmo as boas acções que realiza; preocupa-se que essas belas fontes jorrem também para o bem dos outros. Aquele que tem o coração puro, que é construtor da paz, que sofre perseguição pela verdade, eis a pessoa que consagra a sua vida ao bem dos outros. S. Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igreja "Vós sois sal da terra – Mt 5,13" Concede-me, Deus misericordioso, que deseje com ardor o que Tu aprovas, que o procure com prudência, que o reconheça em verdade, que o cumpra na perfeição, para louvor e glória do Teu nome. Põe ordem na minha vida, ó meu Deus, e permite-me que conheça o que Tu queres que eu faça, concede-me que o cumpra como é necessário e como é útil para a minha alma. Concede-me, Senhor meu Deus, que não me perca no meio da prosperidade nem da adversidade; não deixes que a adversidade me deprima, nem que a prosperidade me exalte. Que nada me alegre ou me entristeça para além do que conduz a Ti ou de Ti me afasta. Que eu não deseje agradar nem receie desagradar a ninguém, excepto a Ti. Concílio Vaticano II Decreto sobre a actividade missionária da Igrela (Ad Gentes), 35-36 "Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo" Dado que a Igreja é toda ela missionária, e a obra da evangelização é um dever fundamental do Povo de Deus, o sagrado Concílio exorta todos a uma profunda renovação interior, para que tomem viva consciência das próprias responsabilidades na difusão do Evangelho e assumam a parte que lhes compete na obra missionária junto dos gentios. Como membros de Cristo vivo e a Ele incorporados e configurados não só pelo Baptismo mas também pela Confirmação e pela Eucaristia, todos os fiéis estão obrigados, por dever, a colaborar no crescimento e na expansão do Seu corpo para o levar a atingir, quanto antes, a sua plenitude(Ef 4,13). Por isso, todos os filhos da Igreja tenham consciência viva das suas responsabilidades para com o mundo, fomentem em si um espírito verdadeiramente católico, e ponham as suas forças ao serviço da obra da evangelização. Saibam todos, porém, que o primeiro e mais irrecusável contributo para a difusão da fé, é viver profundamente a vida cristã. Pois o seu fervor no serviço de Deus e a sua caridade para com os outros é que hão-de trazer a toda a Igreja o sopro de espírito novo que a fará aparecer como um sinal levantado entre as nações (Is 11,12), como «luz do mundo» (Mt. 5,14) e «sal da terra» (Mt. 5,13). Este testemunho de vida produzirá mais facilmente o seu efeito, se for dado conjuntamente com as outras comunidades cristãs, segundo as normas do decreto sobre o ecumenismo. „Vós sois o sal da terra … luz do mundo“ – Mt 5,13 - 14 1. Vós sois o sal da terra / vós sois a luz do mundo. / Ningéum mais quer o sal / quando ele perde o seu sabor. / Ninguem acende a luz / para escondê-la logo após. [:O sal e a luz sou eu! / Eu sou do povo do Senhor:]! 2. Vós sois o sal da terra / vós sois a luz do mundo. / Eu quero que esta vida / tenha muito mais sabor. / Eu quero que meu povo / tenha muito mais amor. 3. Vós sois o sal da terra / vós sois a luz do mundo. / Há muito prato insipido / no mundo sem sabor. / Há muita escuridão / cegando o mundo sem amor. 4. Vós sois o sal da terra / vós sois a luz do mundo. / Há vida sem tempero / muita gente sofre a dor. / Existe escuridão / porque ninguém acende o amor. 5. Vós sois o sal da terra / vós sois a luz do mundo. / Num mundo que não ama / é preciso ter amor / „Amai-vos uns aos outros“ / é o desejo do Senhor. Cantemos ….. n° 859 Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Tratados sobre os salmos, 149 Mt 5,17: "Não vim revogar, mas levar à perfeição" – cf.par.Lc 6,27-33; Mc 9,43-47, 10,11-12; Lc 1,58-59; 16,17-18 Irmãos, "cantemos ao Senhor um cântico novo" (Sl 149,1). Para o homem velho, o cântico velho; para o homem novo, um cântico novo. Antiga aliança, cântico antigo; nova aliança, cântico novo. As promessas da antiga aliança são sobretudo de ordem temporal e terrestre. Os que continuam ligados às coisas da terra cantam ainda o cântico antigo; para cantar o cântico novo é preciso amar os bens eternos. Esse amor é ao mesmo tempo novo e eterno; sempre novo porque nunca envelhece. Mas, se pensarmos bem, ele é antigo, esse amor; como poderia então ser novo? Meus irmãos, a vida eterna nasceu ontem? A vida eterna é Cristo e, enquanto Deus, ele não nasceu ontem. Porque, "no princípio era o Verbo... e o Verbo era Deus; ele estava no princípio com Deus. Tudo foi feito por ele; sem ele nada foi feito" (Jo 1,1s). Se ele fez as coisas antigas, que é ele senão eterno, co-eterno com o Pai? Nós é que, pelo pecado, caimos no envelhecimento... O homem envelheceu em consequência do seu pecado; foi pela graça de Deus que foi renovado. Todos os que foram assim renovados em Cristo, esses é que cantam um cântico novo porque começam a estabelecer-se na vida eterna. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (Norte de África) e doutor da Igreja Sermão 289 A luz de Cristo no candelabro Os apóstolos, meus irmãos, são lâmpadas que nos permitem esperar a chegada do dia de Cristo. O Senhor declara-lhes: "Vós sois a luz do mundo." E para que não julguem ser uma luz semelhante àquela de quem se diz: "Ele era a luz verdadeira que ilumina todos os homens" (Jo 1,9), ensina-lhes imediatamente qual é a verdadeira luz. Depois de lhes ter anunciado: "Vós sois a luz do mundo", prossegue: "Ninguém acende uma lâmpada para a pôr debaixo do alqueire." Chamei-vos luz, diz ele, mas concretizo: sois só uma lâmpada. Não vos deixeis levar pelos arrebatamentos do orgulho, se não quereis ver-se apagar o vosso pavio. Não vos ponho debaixo do alqueire mas coloco-vos no candelabro para tudo iluminar com os vossos raios. Qual é esse candelabro que suporta a lâmpada? Vou explicar-vos. Sede vós mesmos lâmpadas e tereis um lugar no candelabro. A cruz de Cristo é um imenso lampadário. Quem quer irradiar não deve envergonhar-se desse candelabro de madeira. Escuta e vais compreender: o candelabro é a cruz de Cristo... "Assim brilhe a vossa luz diante dos homens; que eles vejam as vossas boas obras e dêem glória." Dêem glória a quem? Não a ti, porque procurar a própria glória é querer extinguir-se! "Que dêem glória ao vosso Pai que está nos céus." Sim, que o glorifiquem a Ele, ao Pai dos céus, ao verem as vossas boas obras... Escuta o apóstolo Paulo: "Que eu nunca me glorie senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo que fez do mundo um crucificado para mim e, de mim, um crucificado para o mundo" (Ga 6,14). S. Jerónimo (347-420), presbítero, tradutor da Bíblia, doutor da Igreja Tratado sobre Marcos Cristo, cumprimento da Lei e dos profetas Quando leio o Evangelho e nele encontro testemunhos tirados da Lei ou dos profetas, apenas dou atenção a Cristo. Se eu vi Moisés, se vi os profetas, foi apenas para compreender o que eles dizem de Cristo. Quando um dia tiver entrado no esplendor de Cristo e aos meus olhos brilhar a sua luz, tão deslumbrante como a do sol, não poderei ver a luz de uma lâmpada. Se se acende uma lâpada em pleno dia, será que ela ilumina? Quando o sol se ergue, a luz da lâmpada desvanece. De igual modo, quando se goza da presença de Cristo, a Lei e os profetas desaparecem. Eu não retiro nada à glória da Lei nem dos profetas; pelo contrário, louvo-os por serem os arautos de Cristo. Porque, quando leio a Lei e os profetas, o meu objectivo não é quedar-me na Lei ou nos profetas mas, através da Lei e dos profetas, chegar até Cristo. Cromácio de Aquileia (? - 407), bispo Homilias sobre S. Mateus "Que a vossa luz brilhe diante dos homens" O Senhor tinha chamado aos seus discípulos "sal da terra" porque eles despertaram com o paladar da sabedoria celeste os corações dos homens amortecidos pelo demónio. Agora chama-lhes "luz do mundo" porque, iluminados por Ele, que é a luz eterna e verdadeira, se tornaram, por sua vez, uma luz nas trevas (Jo 1,5). Porque Ele próprio é o "Sol da justiça" (Ml 3,20), pode também chamar aos seus discípulos "luz do mundo"; é através deles, como raios incandescentes, que o Senhor derrama a luz do conhecimento sobre a terra inteira. Com efeito, eles expulsaram as trevas do erro para longe do coração dos homens, mostrando-lhes a luz da verdade. Iluminados por eles, também nós, de trevas que éramos nos tornámos luz, tal como diz S. Paulo: "Outrora éreis trevas; agora, no Senhor, tornastes-vos luz. Vivei como filhos da luz" (Ef 5,8). E também: "Não pertenceis à noite nem às trevas; sois filhos da luz, filhos do dia" (1 Tes 5,5). S. João teve razão ao afirmar na sua carta: "Deus é luz"; aquele que permanece em Deus está na luz, tal como Ele mesmo está na luz (1 Jo 1, 5-7). Uma vez que temos a alegria de ter sido libertos das trevas do erro, devemos viver na luz, caminhar na luz como verdadeiros filhos da luz. Bem-aventurada Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade A Gift for God «Que a Vossa alegria brilhe diante dos homens» Os cristãos são como luz para os outros, para todos os homens do mundo inteiro. Se somos cristãos, temos de ser semelhantes a Cristo. Se quereis aprendê-la, a arte da delicadeza far-vos-á cada vez mais semelhantes a Cristo, pois o Seu coração era humilde e Ele estava sempre atento às carências dos homens. Uma grande santidade começa por essa atenção aos outros; para ser bela, a nossa vocação deve estar cheia dessa atenção. Por onde Jesus passou, fez o bem. E a Virgem Maria em Caná só pensou nas necessidades dos outros e em comunicá-las a Jesus. Um Cristão é um tabernáculo de Deus vivo. Ele criou-me, Ele escolheu-me, Ele veio habitarme, porque precisava de mim. Agora que sabeis quanto Deus vos ama, o que há de mais natural para vós do que passar o resto da vossa vida a resplandecer desse amor? Ser Cristo é amar como somos amados, como Cristo nos amou. Cromácio de Aquileia (? - 407), Bispo Tratado 5 sobre S. Mateus «Vós sois a luz do mundo» S. João, na sua epístola diz: «Deus é luz» (1Jo 1,5); aquele que habita em Deus está na luz como Ele próprio está na luz. Uma vez que temos a alegria de estarmos livres das trevas e do erro, devemos caminhar sempre na luz, como verdadeiros filhos da luz... É por isso que o Apóstolo diz:« Brilhais como astros no mundo; sois portadores da Palavra de vida» ( Fl 2, 15-16). Se o não somos, seremos olhados como tendo, pela nossa infidelidade, para nossa desgraça e dos outros, obscurecido e coberto com um véu uma luz tão necessária e benfazeja... Por isso, essa lâmpada brilhante, que foi acendida ao serviço da nossa salvação deve luzir em nós sem parar. Com efeito, possuimos a luz da lei celeste e da graça espiritual da qual David dizia: «A Tua lei é uma lâmpada para os meus passos, uma luz sobre o meu caminho» (Sl 118,105)... Não é pois para esconder dos nossos olhos essa luz da lei e da fé, mas para a elevar na Igreja como sobre um candelabro, para que gozemos mesmo da luz da Verdade e para que todos os crentes sejam por ela iluminados. Santo Hilário (cerca de 315-367), bispo de Poitiers e doutor da Igreja Comentário sobre S. Mateus Cristo é o cumprimento das Escrituras "Não vim revogar mas levar à perfeição" Com efeito, a Lei prescrevia obras, mas todas essas obras se orientavam para a fé nas realidades que se haviam de manifestar em Cristo, uma vez que os ensinamentos e a paixão do Salvador são o grande e misterioso desígnio da vontade do Pai. A Lei, sob o véu das palavras inspiradas, anunciou o nascimento de nosso Senhor Jesus Cristo, a sua incarnação, a sua paixão, a sua ressurreição; tanto os profetas como os apóstolos nos ensinam muitas vezes que, desde toda a eternidade, todo o mistério de Cristo estava orientado para ser revelado no nosso tempo... Cristo não quis que pensássemos que as suas próprias obras continham alguma coisa diferente das prescrições da Lei. Por Ele mesmo afirmou: "Não vim revogar, mas levar à perfeição", porque em Cristo toda a Lei e toda a profecia encontram a sua plenitude. No momento da sua paixão, Ele declarou: "Tudo está consumado" (Jo 19, 30). Nesse momento, todas as palavras dos profetas receberam a sua confirmação. É por isso que Cristo afirma que mesmo o mais pequeno dos mandamentos de Deus não pode ser abolido sem ofensa a Deus. Os que rejeitarem estes pequenos mandamentos, adverte-nos Ele, serão os mais pequenos; serão os últimos e, por assim dizer, sem valor. Não há mandamentos mais pequenos do que os mais humildes. E o mais humilde de todos foi a paixão do Senhor e a sua morte na cruz. Evangelho segundo S. Mateus 5,20-26. Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu.» «Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar 'imbecil’ será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar 'louco’ será réu da Geena do fogo. Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar, e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta para apresentar a tua oferta. Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. Em verdade te digo: Não sairás de lá até que pagues o último centavo.» „Se estiveres para trazer a tua oferta ao altar e ali te lembrares de que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta ali diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; e depois viras apresentar a tua oferta.“ – Mt 5,23-24 S. Cipriano (c. 200-258), bispo de Cartago e mártir «Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão» Deus mandou que os homens sejam pacíficos e vivam em bom acordo, que vivam "unânimes na sua casa" (Sl 67,7 vulg). Quer que perseveremos, uma vez que fomos regenerados pelo baptismo, em viver na condição em que esse segundo nascimento nos colocou. Porque somos filhos de Deus, Ele quer que permaneçamos na sua paz e, porque recebemos um mesmo baptismo, que vivamos em unidade de coração e de pensamentos. É por isso que Deus não aceita o sacrifício daquele que vive em dissensão. Ordena-lhe que se afaste do altar para primeiro se reconciliar com o seu irmão, a fim de que Deus possa atender as orações apresentadas em paz. O maior sacrifício que se pode apresentar a Deus é a nossa paz, é a concórdia fraterna, é o povo reunido pela unidade que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Vou primeiro reconciliar-me com meu irmão * [: e depois eu farei minha oferta ao Senhor:]. 1. Mesmo tendo minha oferta sobre o altar, * Deus não a quer se eu não perdoo a meu irmão. 2. Deixarei a minha oferta ali no altar, * e vou pedir perdão a meu irmão. 3. Ofereço ao meu Deus a minha vida * e a ofereç ó também ao meu irmão. Pe. José Weber – Cantos e orações, 193 S. João Crisóstomo (cerca 345-407), bispo de Antioquia depois de Constantinopla, doutor da Igreja Homilias sobre a 1ª Carta aos Coríntios, nº 24 «Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta» «Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão» (1Cor 10,17). O que é este pão? O Corpo de Cristo. E no que se tornam os que o recebem? No corpo de Cristo. Não são muitos corpos, mas um só. Quantos grãos de trigo entram na composição do pão! Mas quem vê esses grãos? Estão no pão que eles formam, mas nada os distingue uns dos outros, de tão unidos que estão. Assim estamos nós unidos uns aos outros e com Cristo. Não há mais muitos corpos alimentados por diversos alimentos; nós formamos um só corpo, alimentado pelo mesmo pão. Por isso Paulo disse: «Todos participamos do mesmo pão». Se participamos todos do mesmo pão, se estamos unidos nele ao ponto de nos tornarmos um só corpo, porque é que não estamos unidos por um mesmo amor, estreitamente ligados pela mesma caridade? Voltai a ler a história dos nossos antepassados na fé e encontrareis este quadro notável: «A multidão dos que abraçavam a fé tinham um só coração e uma só alma» (Ac 4,32). Mas, infelizmente, hoje não é assim. Nos nossos dias a Igreja oferece o espectáculo contrário; não vemos senão dolorosos conflitos, encarniçadas divisões entre irmãos... Estáveis longe dele, mas Cristo não hesitou em vos unir a ele. E agora vós não vos dignais imitá-lo para vos unirdes de todo o coração ao vosso irmão?... Por causa do pecado, os nossos corpos formados do pó da terra (Gn 2,7) tinham perdido a vida e estavam sob a escravatura da morte; o Filho de Deus juntou-lhe o fermento da sua carne, ele, livre de todo o pecado, numa plenitude de vida. E deu o seu corpo em alimento a todos os homens, para que, renovados pelo sacramento do altar, tenham todos parte na sua vida imortal e bem-aventurada. São Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genebra, doutor da Igreja Introdução à vida devota, III “A ira do homem não realiza a justiça de Deus” (Tg 1, 20) O santo e ilustre patriarca José, mandando seus irmãos regressar do Egipto a casa de seu pai, deu-lhes um único conselho: “Não questioneis durante a viagem” (Gn 45, 24). E eu digo-vos a mesma coisa: esta vida miserável mais não é do que um caminho para a vida bem-aventurada; assim, pois, não questionemos uns com os outros pelo caminho, avancemos com paz e doçura na companhia dos nossos irmãos e dos nossos companheiros. Mas digo-vos claramente e sem excepção: não questioneis em absoluto, se for possível, nem aceiteis pretexto algum, seja ele qual for, para abrir as portas do vosso coração às questões. Porque São Tiago diz sem qualquer reserva nem hesitação que “a ira do homem não realiza a justiça de Deus” (1, 20). Convém-nos resistir ao mal e reprimir os vícios daqueles que temos a nosso cargo, constante e corajosamente, mas suave e apaziguadoramente. […] Não se preza tanto a correcção que resulta da paixão, ainda que acompanhada de razão, como a que tem como única fonte a razão. Pois se a cólera se estende até à noite e se “o sol se põe sobre a nossa ira” (Ef 4, 26), convertendo-a em ódio, deixamos de ter maneira de nos desfazermos dela. Porque a ira alimenta-se de mil persuasões incorrectas, pois não houve jamais homem irado que considerasse injusta a sua ira. É pois melhor empreender viver sem cólera do que pretender usá-la sábia e moderadamente, e quando, por imperfeição e fraqueza, formos surpreendidos por ela, é preferível afastá-la prontamente do que pretender negociar com ela. Mt 5,28 De Cristo o novo Mandamento eu hoje escolho: Amar e perdoar sem medir, sem calcular. Longe de mim: „Dente por dente e olho por olho!“ 1. De pé, para fazer minha oração, * eu começo perdoando a meu irmão. * Não pode unir-se a esta reunião, * quem não traz consigo a reconciliação 2. Ouvistes que foi dito: „Amai o amigo!“ * – Eu porém vos digo: „Amai o inimigo“. * Fazei o bem a quem vos odiar; * e por quem vos perseguir deveis orar! 3. Não basta sete vezes perdoar; * mas setenta vezes sete: sem contar. * Perfeitos como Pai celestial: * Não pagueis a ninguém o mal com mal. Jaime Vitalino dos Santos - – Cantos e orações, 195 S. Cirilo de Jerusalém (313-350), bispo de Jerusalém, doutor da Igreja Catequese Baptismal 1,5 A Quaresma : «tempo favorável» da confissão e do perdão antes de alguém se aproximar do altar do Senhor É agora o tempo da confissão. Confessa as tuas faltas por palavras e por acções, as da noite e as do dia. Confessa-as neste “tempo favorável”, neste “dia de salvação” (Is 49,8; 2Co 6,2); recebe o tesouro celeste… Deixa o presente e crê no futuro. Percorreste tantos anos sem interromper os teus vãos trabalhos da terra e não podes parar quarenta dias para te ocupares do teu próprio fim? “Parai e sabei que eu sou Deus”, diz a Escritura (Sl 45,11). Renuncia à multidão de palavras inúteis, não maldigas, não escutes também o maledicente, mas põe-te disponível para rezar. Mostra na ascese o fervor do teu coração; purifica esse receptáculo para receber uma graça mais abundante. Porque a remissão dos pecados é dada igualmente a todos, mas a participação no Espírito Santo é concedida na medida da fé de cada um. Se te esforçares pouco, recolhes pouco; se trabalhares muito, grande será a tua recompensa. És tu mesmo que estás em jogo ; vela pelo teu interesse. Se tens uma queixa contra alguém, perdoa-lhe. Acabas de receber o perdão das tuas faltas, impõe-se que também tu perdoes ao pecador, porque com que cara dirás ao Senhor: “Afasta de mim os meus numerosos pecados”, se tu mesmo não perdoaste ao teu companheiro as suas faltas para contigo (cf. Mt 18,23s)? Santo Agostinho (354-430), bispo de Hippone (África do Norte) e doutor da Igreja Sermão 357 “Se te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti” “Deus faz que o sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores” (Mt 5,45). Ele mostra a sua paciência; e não lamenta o seu poder. Tu também..., renuncia à provocação, não aumentes o incómodo dos olhos inchados. És amigo da paz? Mantém-te tranquilo no teu interior... Deixa de lado as discussões, e volta-te para a oração. Não te encarregues de contradizer alguém e mesmo de defenderes a nossa fé discutindo com quem blasfema. Não respondas à injúria com a injúria, mas reza por esse homem. Querias falar-lhe contra ele próprio: fala a Deus por ele. Não digo que te cales: escolhe o meio conveniente, e vê Aquele a quem falas, em silêncio, por um grito do coração. Lá onde o teu adversário não te vê, aí mesmo, sê bom para com ele. A esse adversário da paz, a esse amigo da disputa, responde tu, amigo da paz: “Diz tudo o que quiseres, porque, seja qual for a tua inimizade, tu és meu irmão”... “Podes odiar-me e repelir-me: tu és meu irmão! R econhece em ti o sinal do meu Pai; é a Palavra do nosso Pai. Irmão questionador, tu és meu irmão, porque tu dizes tal como eu: ‘Pai nosso que estais nos céus’. Se a nossa linguagem é uma, porque não somos um? Peço-te, reconhece o que dizes comigo e reprova o que fazes contra mim... Temos uma única linguagem diante do Pai; porque não havemos de ter juntos uma única paz?” Orígenes (cerca de 185-253), presbítero e teólogo Pequeno Tratado sobre a Oração "Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão" Ninguém poderá o que quer que seja através da oração se não rezar com boas disposições e com uma fé recta... Não se trata de falar muito...; trata-se de não vir rezar com uma alma perturbada por ressentimentos. Não se imagina que alguém venha à oração sem preparar o seu coração; também não se imagina que aquele que reza possa obter o perdão dos seus pecados se não tiver primeiro perdoado de todo o coração ao seu irmão que lhe pede perdão... Portanto, em primeiro lugar, aquele que se dispõe a rezar terá grande vantagem em adoptar uma atitude que o ajude a pôr-se em presença de Deus e que o ajude a falar-lhe como a alguém que o vê e lhe está presente. Certas imagens ou certas recordações de acontecimentos passados ocupam o espírito que se deixa invadir por elas; por isso, é útil lembrar-se de ue Deus está ali e que Ele conhece os movimentos mais secretos da nossa alma. Então, ela dispõe-se a agradar Àquele que está presente, que a vê e antecipa todos os seus pensamentos, Àquele que prescruta os corações e sonda os rins (Sl 7,10)... Como dizem as Sagradas Escrituras, é preciso que quem reza eleve as mãos puras, perdoe a cada um dos que o ofenderam, rejeite tudo o que perturba a sua alma e não se irrite contra ninguém... Quem pode duvidar de que este estado de alma seja o mais fasvorável? Paulo ensina-o quando diz na sua primeira carta a Timóteo: "Quero que os homens rezem em todo o lugar, elevem as mãos puras, sem ressentimento nem contestação" (2,8). S. Cesário de Arles (470 - 543), monge e bispo Eophata II "Vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão" Sabeis o que dizemos a Deus em oração, antes de irmos comungar: "Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Preparai-vos interiormente para perdoar, porque estas palavras, ireis reencontrá-las na oração. Como as direis? Ou será que não as dizeis? Afinal, e isto é o que me interessa: vós dizeis estas palavras, sim ou não? Tu detestas o teu irmão, e pronuncias: "Perdoai-nos, como nós perdoamos". Eu evito essas palavras, dirás tu. Mas então, será que rezas? Prestai muita atenção, meus irmãos. Dentro em pouco, estareis a rezar; perdoai então do fundo do vosso coração. Queres levantar um processo ao teu inimigo? Levanta-o primeiro ao teu coração. Diz a esse coração: "Deixa de odiar"... Mas então, como não queres perdoar, a tua alma entristece-se quando lhe dizes: "deixa de odiar". Pois bem, responde-lhe: "Porque estás triste, minha alma? Porque te perturbas? Espera em Deus" (Sl 41,6). Não te sentes bem, suspiras, o teu mal ferete, não chegas a desembaraçar-te do ódio. Espera em Deus, é Ele o médico. Ele está inclinado sobre ti do alto da cruz, sem procurar vingar-se. E tu, o que procuras é a tua vingança, pois esse é o sentido do teu rancor. Olha para o teu Deus sobre a cruz: é por ti que Ele sofre, para que o seu sangue se torne o teu remédio. Queres vingar-te? Olha para Cristo suspenso, ouve-o pedir: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem" (Lc 23,43). Evangelho segundo S. Mateus 5,27-32. «Ouvistes o que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. Portanto, se a tua vista direita for para ti origem de pecado, arranca-a e lança-a fora, pois é melhor perder-se um dos teus órgãos do que todo o teu corpo ser lançado à Geena. E se a tua mão direita for para ti origem de pecado, corta-a e lança-a fora, porque é melhor perder-se um só dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado à Geena.» «Também foi dito: Aquele que se divorciar da sua mulher, dê-lhe documento de divórcio. Eu, porém, digo-vos: Aquele que se divorciar da sua mulher excepto em caso de união ilegal expõe-na a adultério, e quem casar com a divorciada comete adultério.» Santo Ireneu de Lyon (cerca 130-cerca 208), bispo, teólogo e mártir Contra as heresias, IV, 13, 2-4 Não mais servos, mas amigos (Jo 15,15) A Lei foi promulgada primeiro para escravos, a fim de educar a alma para as coisas exteriores e corporais, levando-a em certa medida como por uma corrente à docilidade aos mandamentos, a fim de que o homem aprendesse a obedecer a Deus. Mas o Verbo de Deus libertou a alma; ele ensinou-a a purificar-se livremente, de livre vontade, também o corpo. Portanto, era preciso que fossem retiradas as cadeias da servidão, graças às quais o homem se pudera formar, e de futuro ele seguisse a Deus sem cadeias. Mas ao mesmo tempo que os preceitos da liberdade eram vastos, era preciso reforçar a submissão ao Rei, a fim de que ninguém voltasse para trás e não se mostrasse indigno do seu Libertador... Foi por isso que o Senhor nos deu por palavra de ordem, em vez de não cometer adultério, de nem sequer cobiçar; em vez de não matar, de nem sequer nos encolerizarmos; em vez de pagar simplesmente a dízima, de distribuir todos os bens pelos pobres; de amar não apenas os que nos são próximos, mas também os nossos inimigos; de não ser apenas «generosos e prontos a partilhar» (1 Tim 6,18), mas ainda de darmos gentilmente os nossos bens aos que no-los tomam... Por conseguinte, Nosso Senhor, a Palavra de Deus, comprometeu primeiro os homens numa servidão em relação a Deus e em seguida libertou os que lhe tinham sido submissos. Como ele próprio disse aos seus discípulos: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de Meu Pai vo-lo dei a conhecer» (Jo 15,15) ... Ao fazer dos seus discípulos os amigos de Deus, mostra claramente que ele é o Verbo, a Palavra de Deus. Porque foi por ter seguido o seu apelo espontaneamente e sem cadeias, na generosidade da sua fé, que Abraão se tornou «amigo de Deus» (Is 41,8). Catecismo da Igreja Católica § 577-581 O cumprimento da Lei Jesus fez uma advertência solene no começo do Sermão da Montanha, em que apresentou a Lei dada por Deus no Sinai por ocasião da Primeira Aliança à luz da graça da Nova Aliança: "Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno cumprimento"... Jesus, o Messias de Israel, portanto o maior no Reino dos Céus, tinha a obrigação de cumprir a Lei, executando-a em sua integridade até seus mínimos preceitos, segundo suas próprias palavras. Ele é o único que conseguiu cumpri-la com perfeição... O cumprimento perfeito da Lei só podia ser obra do Legislador divino nascido sujeito à Lei na pessoa do Filho. Em Jesus, a Lei não aparece mais gravada nas tábuas de pedra, mas "no fundo do coração" (Jr 31,33) do Servo, o qual, pelo fato de "trazer fielmente o direito" (Is 42,3), se tornou "a Aliança do povo" (Is 42,6). Jesus cumpriu a Lei até o ponto de tomar sobre si "a maldição da Lei" in quod illi incurrerant "qui non permanent in omnibus, quae scripta sunt, ut faciant ea", na qual incorrerreram aqueles que "não praticam todos os preceitos da mesma, pois "a morte de Cristo aconteceu para resgatar as transgressões cometidas no Regime da Primeira Aliança" (Hb 9, 15)... Jesus "ensinava como alguém que tem autoridade, e não como os escribas" (Mt 7,28-29). Nele, é a mesma Palavra de Deus que tinha ressoado no Sinai para a Moisés a Lei escrita, que se faz ouvir novamente sobre o Monte Bem-aventuranças. Ela não abole a Lei, mas a cumpre, fornecendo de modo divino a interpretação última dela: "Aprendestes o que foi dito aos antigos... eu, porém, vos digo" (Mt 5,33-34). Com esta mesma autoridade divina, Ele desabona certas "tradições humanas" dos fariseus que "invalidam a Palavra de Deus" (Mc 7,8.13). João Paulo II Discurso aos jovens holandeses, 14 de Maio de 1985 As exigências de Cristo e a alegria do coração Queridos jovens, fizestes-me saber que muitas vezes considerais a Igreja como uma instituição que apenas promulga regulamentos e leis... E concluís que há um profundo hiato entre a alegria que emana da palavra de Cristo e o sentimento de opressão que suscita em vós a rigidez da Igreja... Mas o Evangelho apresenta-nos um Cristo muito exigente que convida a uma conversão radical do coração, ao abandono dos bens da terra, ao perdão das ofensas, ao amor para com o inimigo, à paciente aceitação das perseguições e mesmo ao sacrifício da própria vida por amor ao próximo. No que diz respeito ao domínio particular da sexualidade, conhece-se a firme posição que Jesus tomou em defesa da indissolubilidade do matrimónio e à condenação que pronunciou até a propósito do simples adultério cometido no coração. Poderá alguém não ficar impressionado diante do preceito de "arrancar um olho" ou de "cortar uma mão" se esses órgãos forem ocasião de "escândalo"?... A permissividade moral não torna os homens felizes. Tal como a sociedade de consumo não traz alegria ao coração. O ser humano só se realiza na medida em que sabe aceitar as exigências que provêm da sua dignidade de ser criado "à imagem e semelhança de Deus" (Gn 1,27). Por isso, se hoje a Igreja diz coisas que não agradam, é porque se sente obrigada a fazêlo. Fá-lo por dever de lealdade... Mas então não é verdade que a mensagem evangélica é uma mensagem de alegria? Pelo contrário, é absolutamente verdade! E como é isso possível? A resposta encontra-se numa palavra, numa só palavra, numa palavra curta mas com um conteúdo vasto como o mar. Essa palavra é: amor. O rigor do preceito e a alegria do coração podem perfeitamente conciliar-se. Quem ama não receia o sacrifício. Antes procura no sacrifício a prova mais convincente da autenticidade do seu amor. Evangelho segundo S. Mateus 5,33-37. «Do mesmo modo, ouvistes o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás diante do Senhor os teus juramentos. Eu, porém, digo-vos: Não jureis de maneira nenhuma: nem pelo Céu, que é o trono de Deus, nem pela Terra, que é o estrado dos seus pés, nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Não jures pela tua cabeça, porque não tens poder de tornar um só dos teus cabelos branco ou preto. Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for além disto procede do espírito do mal.» Uma homilia grega do século IV Inspirada pelo Tratado sobre a Páscoa, de Sto. Hipólito de Roma (? - cerca de 235), presbítero e mártir "Eu, porém, digo-vos": é a antiga Lei levada à perfeição por aquele que dá a nova Lei A Lei dada a Moisés é uma recolha de ensinamentos variados e imperativos, uma colecção útil a todos acerca do que é bom fazer nesta vida e um reflexo místico dos costumes da vida celeste: um archote e uma lâmpada, um fogo e uma luz, réplicas dos luzeiros do alto. A Lei de Moisés era o itinerário da piedade, a regra dos bons costumes, o travão do primeiro pecado, o esboço da verdade futura (Col 2,17)... A Lei de Moisés era um mestre para a piedade e um guia para a justiça, uma luz para os cegos e uma prova para os insensatos, um pedagogo para as crianças e uma amarra para os imprudentes, uma rédea para as cabeças duras e um jugo poderoso para os impacientes. A Lei de Moisés era o mensageiro de Cristo, o percursor de Jesus, o arauto e o profeta do grande Rei, uma escola de sabedoria, uma preparação necessária e um ensinamento universal, uma doutrina oportuna e um mistério temporário. A Lei de Moisés era um resumo simbólico e enigmático da graça futura, anunciando em imagens a perfeição da verdade que havia de vir. Pelos sacrifícios, anunciava a Vítima; pelo sangue, o Sangue; pelo cordeiro, o Cordeiro; pela pomba, a Pomba; pelo altar, o Sumo Sacerdote; pelo Templo, a permanência da divindade; pelo fogo do altar, a plena "Luz do mundo" (Jo 8,12) que desce dos céus. Doroteu de Gaza (c.500-?), monge na Palestina Instruções A Lei Nova A Lei diz: «Olho por olho, dente por dente» (Ex 21,24). Mas o Senhor exorta, não somente a receber a bofetada daquele que nos bate, mas ainda a apresentar-lhe humildemente a outra face (Mt 5, 38-39). É que o objectivo da Lei era ensinar-nos a não fazer o que não queremos suportar. Impedia-nos de fazer o mal, pelo medo de sofrer. Mas o que agora é pedido, repito-o, é que rejeitemos o ódio, o amor ao prazer, o gosto pela glória e as outras paixões. Numa palavra, a intenção de Cristo, nosso mestre, é precisamente ensinar-nos como é que fomos levados a cometer todos esses pecados e como caímos em todos esses dias maus. Portanto, Ele libertou-nos primeiro pelo Santo Baptismo concedendo-nos a remissão dos pecados; depois deu-nos o poder de fazermos o bem, se o quisermos, e de não voltarmos a ser levados, como que pela força, para o mal. Santo [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho FSI 32, FM 167, Ep 3, 564 "Que o vosso sim seja sim" (Tg 5,12) Não sabes o que a obediência é capaz de produzir: por um 'sim', só por um 'sim' - "Faça-se em mim segundo a tua palavra!" - Maria torna-se a mãe do Altíssimo. Ao fazê-lo, ela declaravase serva mas mantinha intacta a sua virgindade que era tão querida a Deus e aos seus próprios olhos. Por este 'sim' da Maria, o mundo obtém a salvação, a humanidade é resgatada. Então, tentemos nós também fazer a vontade de Deus e sempre dizer 'sim' ao Senhor... Que Maria faça florir na tua alma virtudes sempre novas e que ela vele por ti. Ela é o mar que é preciso atravessar para chegar às margens esplendorosas da aurora eterna; fica pois sempre junto dela... Apoia-te na cruz de Cristo, a exemplo de Maria. Lá encontrarás grande conforto. Maria ficou, de pé, junto de seu filho crucificado. Nunca Jesus a amou tanto como naquele momento de indizível sofrimento. Evangelho segundo S. Mateus 5,38-42. «Ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém quiser litigar contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas. Dá-a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado.» Santo Ireneu de Lyon (c. 130 - c. 208), bispo, teólogo e mártir Contra as Heresias, IV, 13, 3 "A lei perfeita, a da liberdade" (Tg 1,25) "A quem te tirar a túnica, diz Cristo, dá também o teu manto; a quem ficar com o que te pertence, não o reclames; e aquilo que quiserdes que os outros vos façam, fazei-o vós a eles" (Mt 5,40; Lc 6,30-31). Deste modo, não nos entristeceremos como as pessoas a quem lhes arrebatam os bens contra a sua vontade, mas, pelo contrário, alegrar-nos-emos como pessoas que dão de bom grado, uma vez que faremos ao próximo um dom gratuito em vez de cedermos a uma pressão. E, diz ainda, "se alguém te obrigar a caminhar uma milha, caminha duas com ele". Desse modo, não o seguimos como um escravo mas precedemo-lo como homens livres. Em todas as coisas, portanto, Cristo convida-te a tornares-te útil ao teu próximo, não considerando a sua maldade mas acrescentando a tua bondade. Convida-nos assim a tornar-nos semelhantes ao nosso Pai "que faz nascer o sol sobre os maus e sobre os bons e cair a chuva sobre os justos e sobre os injustos" (Mt 5,45). Tudo isto não é obra de quem vem abolir a Lei mas de alguém que a cumpre e a alarga a todos nós (Mt 5,17). O serviço da liberdade é um serviço maior; o nosso libertador propõe-nos uma submissão e uma devoção mais profundas a esse respeito. Porque Ele não nos libertou das amarras da Lei antiga para que nos separemos d'Ele... mas para que, tendo recebido mais abundantemente a sua graça, O amemos mais e, tendo-O amado mais, recebamos d'Ele uma glória ainda maior quando estivermos para sempre na presença de seu Pai. S. Siluane (1866-1938), monge ortodoxo Escritos espirituais “Não opor resistência ao mau” Há homens que desejam aos seus inimigos e aos inimigos da Igreja as penas e os tormentos do fogo eterno. Eles não conhecem o amor de Deus ao pensarem assim. Quem tem o amor e a humildade de Cristo chora e reza por todo o mundo. Senhor, tal como tu rezaste pelos teus inimigos, ensina-nos, pelo teu Santo Espírito, a também nós os amarmos e rezarmos por eles com lágrimas. Contudo, isso é muito difícil para nós, pecadores, se a tua graça não está connosco!... Se a graça do Espírito Santo está no coração de um homem, mesmo numa quantidade ínfima, esse homem chora por todos os homens; ele tem ainda mais pena dos que não conhecem Deus ou que lhe resistem. Ele reza por eles dia e noite, a fim de que se convertam e reconheçam Deus. Cristo rezou pelos que o crucificavam: “Pai, perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Estêvão também rezava pelos seus perseguidores, a fim de que Deus não lhes imputasse esse pecado… (Ac 7,60). É preciso rezar pelos nossos inimigos se queremos conservar a graça, porque quem não tem compaixão do pecador não tem em si a graça do Espírito Santo. Louvor e graças a Deus e à sua grande misericórdia, porque ele nos concedeu, a nós homens, a graça do Espírito Santo. Evangelho segundo S. Mateus 5,43-48. «Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.» Santo Hilário (c. 315-367), bispo de Poitiers e doutor da Igreja Sobre Mateus, 4, 27 “Sede perfeitos como o vosso Pai celestial é perfeito” “Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.” Com efeito, a Lei exigia o amor ao próximo, mas permitia odiar o inimigo. A fé prescreve o amor aos inimigos. Através do sentimento universal da caridade, destrói os movimentos de violência que há no espírito do homem, não apenas impedindo a cólera de se vingar, mas também apaziguando-a, até fazer-nos amar aquele que não tem razão. Amar os que vos amam pertence aos pagãos, e toda a gente gosta de quem gosta de si. Cristo chama-nos, pois, a viver como filhos de Deus e a imitar Aquele que, pelo advento do seu Cristo, concede, seja aos bons, seja aos culpados, o sol e a chuva nos sacramentos do baptismo e do Espírito. Assim, forma-nos para a vida perfeita através deste laço de uma bondade para com todos, chamando-nos a imitar o Pai do céu, que é perfeito. Santo Ambrósio (cerca de 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Sermão 8 sobre o salmo 118 «Ele faz erguer o sol sobre os maus e sobre os bons» “A terra está cheia, Senhor, da tua misericórdia; ensina-me as tuas vontades" (Sl 118,64). Como é que a terra está cheia desta misericórdia do Senhor senão pela Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo, cuja promessa o Salmista, que a via de longe, de alguma maneira celebra? Está cheia dela porque a remissão dos pecados foi dada a todos. O sol tem ordem para se erguer sobre todos e é isso que acontece todos os dias. Com efeito, foi para todos que se ergueu em sentido místico o Sol de Justiça (Ml 3,20); veio para todos, sofreu por todos, por todos ressuscitou. E, se sofreu, foi certamente para “tirar o pecado do mundo” (Jo 1,29) Mas, se alguém não tem fé em Cristo, priva-se a si mesmo deste benefício universal. Se alguém, fechando as suas janelas, impede os raios de sol de entrar, não se pode dizer que o sol não nasceu para todos, pois esta pessoa fugiu do seu calor. No que diz respeito ao sol, não se deixa atingir por ele; quanto ao que tem falta de sabedoria, esse priva-se da graça de uma luz proposta a todos. Deus faz-se pedagogo; ilumina o espírito de cada um, derramando nele a luz do seu conhecimento, com a condição, todavia, de que abras a porta do teu coração e acolhas a claridade da graça celestial. Quando duvidas, apressa-te a procurar porque “aquele que procura encontra e, àquele que bate, abrir-se-á" (Mt 7,8). Santo Inácio de Antioquia (? - cerca 110), bispo e mártir Carta aos Efésios, 10-14 “Amai os vossos inimigos, e rezai pelos que vos perseguem” “Orai sem cessar” (1Tes 5,17) pelos outros homens. Podemos esperar o seu arrependimento, e que eles voltem para Deus. Mas que pelo menos o vosso exemplo lhe indique o caminho. À sua cólera, oponde a vossa doçura; à sua arrogância, a vossa humildade; às suas blasfémias, as vossas orações; aos seus erros, a firmeza da vossa fé; à sua violência, a vossa serenidade, sem procurar em nada fazer como eles. Mostremos-lhes pela nossa bondade que somos seus irmãos. Procuremos “imitar o Senhor” (1Tes 1,6). Quem sofreu a injustiça mais do que ele? Quem foi despojado e rejeitado? Que não se encontre entre vós a erva do diabo (Mt 13,25). Numa pureza e temperança perfeitas da carne e do espírito, permaneçamos em Jesus Cristo. Eis chegados os últimos tempos... É apenas em Cristo que entramos na verdadeira vida. Fora dele, nada de valioso!... Nada ultrapassa a paz; ela triunfa de todos os assaltos que nos desferem os nossos inimigos, quer sejam celestes ou terrestres... Hoje, já não é suficien te professar a fé; é preciso mostrarmos até ao fim de que força ela nos enche. São Fulgêncio (467-532), bispo Sermão 5 “Porém, Eu digo-vos: amai os vossos inimigos” “Não devais a ninguém coisa alguma a não ser o amor mútuo” (Rom 13, 8). Que dívida espantosa, irmãos, este amor que o apóstolo Paulo nos ensina a pagar, sem nunca cessarmos de ser devedores. Dívida feliz, esta, dívida sagrada, portadora de juros no céu, cumulada de riquezas eternas! […] Recordemos também as palavras do Senhor: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam” (Lc 6, 27). E qual será a recompensa deste labor? […] “Sereis filhos do Altíssimo” (v. 35). E o apóstolo Paulo revela-nos o que será dado a estes filhos de Deus: seremos “filhos e também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo” (Rom 8, 17). Escutai, pois, cristãos, escutai filhos de Deus, escutai, herdeiros de Deus, co-herdeiros de Cristo! Se quereis possuir a herança do vosso Pai, pagai a vossa dívida de amor, não só aos vossos amigos, mas também aos vossos inimigos. A ninguém recuseis este amor, que é o tesouro comum de todos os homens de boa vontade. Possuí-o, pois, todos juntos e, a fim de o aumentar, dai-o tanto aos maus como aos bons. Porque este bem, que apenas pode ser possuído em conjunto, não é da terra mas do céu; e a parte de um jamais reduz a parte de outro. […] O amor é um dom de Deus: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo que nos foi concedido” (Rom 5, 5). […] O amor é a raiz de todos os bens, da mesma maneira que, diz São Paulo, a avareza é a raiz de todos os males (1 Tim 6, 10). […] O amor está sempre satisfeito porque, quando mais multiplica os seus dons, mais abundantemente Deus no-los dispensa. Eis por que motivo, enquanto o avarento empobrece com tudo aquilo que açambarca, o homem que paga as suas dívidas de amor enriquece com tudo aquilo que dá. Santo Isaac, o Sírio (séc. VII), monge em Nínive, perto de Mossul no actual Iraque Discursos ascéticos, 1.ª série, n.º 60 «Ele faz com que o sol se levante sobre os maus e os bons» Anuncia a bondade de Deus. Porque se és indigno, Ele guiar-te-á, e então tudo Lhe deves; Ele nada te exige. E pelas pequenas coisas que fizeres, Ele dar-te-á em troca grandes coisas. Não digas de Deus apenas que Ele é justo. Porque não é relativamente ao que fazes que Ele revela a sua justiça. Se David lhe chama justo e recto (Sl 32,5), o seu Filho revelou-nos que, mais do que isso, Ele é bom e doce: «Ele é bom até para os ingratos e os maus» (Lc 6,35). Como podes limitar-te a apenas falar na justiça de Deus, ao leres o capítulo sobre o salário dos trabalhadores? «Em nada te prejudico, meu amigo. Não foi um denário que nós ajustámos? Leva, então, o que te é devido e segue o teu caminho, pois eu quero dar a este último tanto como a ti. Ou não me será permitido dispor dos meus bens como eu entender? Será que tens inveja por eu ser bom?» (Mt 20,13-15). Como se pode simplesmente dizer que Deus é justo se, ao lermos o capítulo do filho pródigo que dissipou a riqueza de seu pai na devassidão, nos é relatado que, tendo percebido a dor do filho, logo para este seu pai correu, se lhe atirou ao pescoço e lhe deu plenos poderes sobre toda a riqueza paterna? (Lc 15,11s). Quem nos contou estas coisas acerca de Deus não foi alguém de quem possamos duvidar. Foi o seu próprio Filho: Ele próprio deu esse testemunho de Deus. Onde está portanto a justiça de Deus? Não é neste «quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós»? (Rm 5,8). Se Deus se mostra compassivo aqui na Terra, acreditemos que o é desde a eternidade. S. Siluane (1866-1938), monge ortodoxo Escritos "Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos" Deus é amor (1 Jo 4,8). Foi ele quem nos deu o mandamento de nos amarmos uns aos outros e mesmo aos nossos inimigos; e é o Espírito Santo quem nos ensina esse amor. Guarda a paz do Espírito Santo e nunca a percas em troca de futilidades. Se provocares desgosto a teu irmão, afliges o teu próprio coração; se fizeres a paz com o teu irmão, o Senhor dar-te-á infinitamente mais... Não foi o próprio Senhor quem disse: "O Reino de Deus está em vós" (Lc 17,21)? É agora que começa a vida eterna, é também agora que lançamos a semente dos tormentos eternos. Peço-vos, meus irmãos, fazei a experiência! Se alguém vos ofender, vos caluniar, vos tirar o que vos pertence, mesmo que seja um perseguidor da Santa Igreja, rezai a Deus e dizei: "Senhor, nós somos todos tuas criaturas, tem piedade dos teus servos e conduz o seu coração à penitência." Então sentirás a graça na tua alma. Naturalmente que, no início, terás de te esforçar para amar os teus inimigos; mas o Senhor, ao ver a tua boa vontade, a judar-te-á em todas as coisas e a própria experiência te mostrará o caminho. Aquele que, pelo contrário, meditar em coisas más contra os seus inimigos, não poderá possuir o amor nem, evidentemente, conhecer Deus. S. Cipriano (cerca de 200 - 258), bispo de Cartago e mártir Dos benefícios da paciência Imitar a paciência de Deus Como é grande a paciência de Deus!... Faz nascer o dia e ergue a luz do sol sobre os bons e sobre os maus; rega a terra com as chuvas e ninguém fica fora dos seus benefícios, de tal forma a água é dada indistintamente a justos e a injustos. Vomo-lo agir com igual paciência para com os culpados e para com os inocentes, os fiéis e os ímpios, os agradecidos e os ingratos. Para todos eles, os tempos obedecem às ordens de Deus, os elementos põem-se ao seu serviço, os ventos sopram, as fontes brotam, as searas crescem em abundância, as uvas amadurecem, as árvores enchem-se de frutos e os prados cobrem-se de flores... Ainda que tenha o poder da vingança, Ele prefere esperar longamente e vai adiando com bondade para que, se for possível, a malícia se atenue com o tempo e que o homem... por fim se volte para Deus, segundo o que Ele mesmo nos diz, nestes termos: "Não quero a morte do que morre, mas que regresse a mim e viva" (Ez 33,11). E ainda: "Voltai para mim, voltai ao Senhor vosso Deus, porque Ele é misericordioso, bom, paciente e cheio de compaixão" (Jl 2,13)... Ora Jesus diz-nos: "Sede perfeitos como o vosso Pai do céu é perfeito" (Mt 5,48). Por estas palavras nos mostra que, filhos de Deus e regenerados por um celeste nascimento, nós atingimos o cume da perfeição quando a paciência de Deus habita em nós e a semelhança divina, perdida pelo pecado de Adão, se manifesta e brilha nos nossos actos. Que glória sermos semelhantes a Deus, que grande felicidade ter esta virtude digna dos louvores divinos! Documentos relacionados

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